A antiga e rica lenda de Aquiles ilustra a assertiva de que "os eleitos dos deuses morrem jovens", já que o herói preferiu uma vida gloriosa e breve a uma existência longa, mas rotineira e apagada.
Aquiles era filho de Tétis (a ninfa marinha, e não a deusa do oceano) e de Peleu, rei dos mirmidões da Tessália. Ao nascer, a mãe o mergulhou no Estige, o rio infernal, para torná-lo invulnerável. Mas a água não lhe chegou ao calcanhar, pelo qual ela o segurava, e que assim se tornou seu ponto fraco - o proverbial "calcanhar de Aquiles".
Segundo uma das lendas, Tétis fez Aquiles ser criado como menina na corte de Licomedes, na ilha de Ciros, para mantê-lo a salvo de uma profecia que o condenava a morrer jovem no campo de batalha. Ulisses, sabedor de que só com sua ajuda venceria a guerra de Tróia, recorreu a um ardil para identificá-lo entre as moças.
Aquiles, resoluto, marchou com os gregos sobre Tróia.
No décimo ano de luta, capturou a jovem Briseida, que lhe foi tomada por Agamenon, chefe supremo dos gregos. Ofendido, Aquilesretirou-se da guerra. Mas persuadiram-no a ceder a seu amigo Pátroclo a armadura que usava.
Pátroclo foi morto por Heitor, filho do rei de Tróia, Príamo. Sedento de vingança, Aquiles reconciliou-se com Agamenon.
De armadura nova, retornou à luta, matou Heitor e arrastou seu cadáver em torno da sepultura de Pátroclo. Pouco depois, Páris, irmão de Heitor, lançou contra Aquiles uma flecha envenenada; dirigida por Apolo, atingiu-lhe o calcanhar e matou-o.
As proezas de Aquiles e muitos temas correlatos foram desenvolvidos na Ilíada, de Homero, que relata a guerra de Tróia.
O cadáver de Aquiles, segundo a versão mais comum, foi enterrado no Helesponto junto ao de Pátroclo.
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Aquiles
A antiga e rica lenda de Aquiles ilustra a assertiva de que "os eleitos dos deuses morrem jovens", já que o herói preferiu uma vida gloriosa e breve a uma existência longa, mas rotineira e apagada.
Aquiles era filho de Tétis (a ninfa marinha, e não a deusa do oceano) e de Peleu, rei dos mirmidões da Tessália. Ao nascer, a mãe o mergulhou no Estige, o rio infernal, para torná-lo invulnerável. Mas a água não lhe chegou ao calcanhar, pelo qual ela o segurava, e que assim se tornou seu ponto fraco - o proverbial "calcanhar de Aquiles".
Segundo uma das lendas, Tétis fez Aquiles ser criado como menina na corte de Licomedes, na ilha de Ciros, para mantê-lo a salvo de uma profecia que o condenava a morrer jovem no campo de batalha. Ulisses, sabedor de que só com sua ajuda venceria a guerra de Tróia, recorreu a um ardil para identificá-lo entre as moças. Aquiles, resoluto, marchou com os gregos sobre Tróia.
No décimo ano de luta, capturou a jovem Briseida, que lhe foi tomada por Agamenon, chefe supremo dos gregos.
Ofendido, Aquiles retirou-se da guerra. Mas persuadiram-no a ceder a seu amigo Pátroclo a armadura que usava.
Pátroclo foi morto por Heitor, filho do rei de Tróia, Príamo.
Sedento de vingança, Aquiles reconciliou-se com Agamenon.
De armadura nova, retornou à luta, matou Heitor e arrastou seu cadáver em torno da sepultura de Pátroclo. Pouco depois, Páris, irmão de Heitor, lançou contra
Aquiles uma flecha envenenada; dirigida por Apolo, atingiu-lhe o calcanhar e matou-o.
As proezas de Aquiles e muitos temas correlatos foram desenvolvidos na Ilíada, de Homero, que relata a guerra de Tróia.
O cadáver de Aquiles, segundo a versão mais comum, foi enterrado no Helesponto junto ao de Pátroclo.
Estátua de Aquiles
Na mitologia grega, Aquiles ou Achilleus ou Akhilles, foi não só o maior guerreiro na guerra de Tróia como o ponto central da Ilíada de Homero.
Aquiles era filho de Peleu, Rei de Mirmidon na Tessália, e da ninfa Tétis. Zeus e Poseidon a levaram até um oráculo que viu na sua mão que ela teria um filho que seria maior que o próprio pai e por isso resolveram dá-lo para outra pessoa.
De acordo com a lenda, Tétis tentou tornar Aquiles invencível mergulhando-o no rio da Estige, mas esqueceu que segurando-o pelo calcanhar esta parte ficaria vulnerável, podendo levá-lo à morte. Homero deliberadamente não mencionou isto; Aquiles não poderia ser herói se não corresse risco.
No entanto, um oráculo disse que se Aquiles fosse para Tróia ele morreria lá. Sua mãe escondeu-o na corte de Licurgo em Scyrus disfarçado de mulher. Lá teve um romance com Deidamia resultando numa criança, Neoptolemo. Foi descoberto por Odisseu disfarçado de vendedor ambulante de bugigangas e armamentos.
Aquiles foi apontado por mulheres que sabiam do seu gosto por coisas ilegais. Foi desmascarado por um toque de trombeta quando se viu compelido a não se acovardar e tomar a lança de um atacante. Daí precisou de pouca coisa para decidir ir a Tróia.
Aquiles é uma das duas únicas pessoas na Ilíada descritas como um deus. Não só pela sua capacidade superior de luta mas pela atitude. Mostrava uma completa e total devoção pela excelência de sua arte e como um Deus, nenhum respeito pela vida. Seu modo de pensar era com relação se a morte fosse rápida desde que gloriosa e não como qualquer morte. Sua cólera era absoluta. A humanização de Aquiles nos episódios da guerra é o tema de Ilíada.
Imediatamente após a morte de Hector, Aquiles derrotou Memnon da Etiópia e logo depois foi morto por Páris por uma flechada no calcanhar, ou de acordo com antiga versão, por uma punhalada nas costas quando visitava uma princesa troiana.
Ambas as versões negam ao matador qualquer valor e mostram que Aquiles não foi derrotado no campo de batalha. Seus ossos foram misturados aos de Pátroclo e juntos foram enterrados. Uma luta por causa de sua armadura ocasionou a morte de Ajax.
Criseida raptada e violada por Aquiles durante a guerra de TróiaNa Odisséia, também de Homero, há uma passagem onde Odisseu navega para o mundo inferior e conversa com as almas.
Uma delas é Aquiles que, cumprimentado como abençoado na vida e abençoando na morte, responde que preferia ser um escravo do que estar morto. É interpretado como uma rejeição à vida de guerreiro e à indignidade pelo seu martírio desprezado.
O rei de Épiro reclama ser descendente de Aquiles através de seu filho. Também Alexandre, o Grande, tendo por mãe uma princesa epirana, reclama sua descendência e de muitas formas aspira a ser como seu grande ancestral; diz ter visitado sua tumba quando esteve em Tróia.
Aquiles foi cultuado como um deus do mar em muitas colônias do mar Morto.
Aquiles foi o maior dos guerreiros gregos na mitologia grega.
Quando criança, sua mãe o imergiu no rio Estige, tornando-o imortal.
A única parte do seu corpo que não foi submersa foi o calcanhar, por onde sua mãe o segurou.
Aquiles lutou e foi vitorioso em muitas batalhas até ser mortalmente ferido no calcanhar por Páris, que o encontrou quando, por estar apaixonado pela filha de Priamo, entrou desarmado no templo de Apolo.
Aquiles o maior dos guerreiros gregos e descendente de Zeus era conhecido por sua implacável fúria, mas aprendeu na batalha que a "vida é só triteza" e monstrou uma compaixão nova permitindo um funeral honroso ao seu inimigo Heitor.
Ajax , que vinha logo depois de Aquiles em bravura, compreendeu que havia procedido de maneira irracional para com seus amigos e suicidou-se.
Agamemnon, comandante dos gregos e cunhado de Helena , foi morto por sua esposa Clitemnestra por ter sacrificado a vida da filha a Artemis.
Ulisses, famoso pela sua astúcia, teve a idéia do cavalo de Tróia.
Infância e Adolescência
Aquiles era filho de Peleu, rei de Fitia, e da ninfa Tétis. Ainda bebê, o pequeno herói fora levado pelam mãe ao rio Estige, onde a filha de Nereu pretendia mergulhá-lo em suas águas miraculosas, pois dizia-se que elas tinham o poder de tornar invulnerável todo aquele que nelas se banhasse.
Estige, vale dizer, era uma poderosa ninfa que ajudara Zeus na guerra contra os Titãs, a primeira guerra que o Universo conheceu. Por isto, fora recompensada com uma fonte da Arcádia, de águas sombrias e de longo curso que entravam terra adentro, desaguando nos submundos infernais.
- Estige, rio de águas mágicas e misteriosas! - dissera Tétis, enquanto mantinha o filho pendurado pelo pé sobre aquelas revoltosas águas - Invoco agora o seu poder sagrado para que torne meu pequeno Aquiles forte e invulnerável durante todos os dias de sua vida!
Tétis, a ninfa dos pés de prata, relutara muito antes de tomar esta atitude, mesmo naquele momento, enquanto segurava o pé de seu filho com toda a força e escutava o ruído intenso da correnteza naquele cenário escuro e desolado, tinha dúvidas sobre se estava fazendo a coisa certa.
Mas desde o parto a ninfa fora tomada por um sombrio pressentimento: o de que seu filho teria uma vida demasiado curta.
- É meu dever fazer de tudo para protegê-lo - disse ela, afinal, como que a justificar-se perante o rio que turbilhonava à sua frente.
O calcanhar, contudo, por um descuido da ninfa, permaneceu seco, e um dia tanto ela quanto seu filho descobririam o preço de tão grave descuido. Tão logo o pequeno Aquiles sofreu este batismo, foi entregue aos cuidados do centauro Quirão, que fora o preceptor de muitos outro heróis - tais como Hércules, Jasão, Esculápio e até o deus Apolo -, e passou a ser alimentado com uma dieta rica em miolos de feras: de leão, para adquirir coragem, de urso, para ganhar força, e de gazela, para tornar-se veloz.
Quando o jovem Aquiles completou nove anos - sendo, a essa altura, quase um homem, tanto no porte quanto na virilidade, sua mãe, Tétis, decidiu levá-lo para uma consulta com o adivinho Calcas.
- Preciso saber o que o destino reserva para ele - Disse a mãe ao adivinho, pois ainda permanecia inquieta com o futuro do seu filho.
O Sábio Calcas, após consultar seus augúrios, declarou, finalmente:
- Tróia poderosa jamais será conquistada sem o valor do seu braço.
- Mas completara a previsão com outra, agora funesta:
- Seus pés, contudo, jamais pisarão o chão da cidade sagrada, eis que antes disso baixará à casa de Hades.
Desde aquele instante então, Tétis concebeu um plano: "se o destino de Aquiles está em perecer diante das muralhas de Tróia", pensou a ninfa, "então a sua salvação estará em jamais participar de tal campanha".
Aquiles na corte do Rei Licomedes
Aquiles está agora com dezessete anos de Idade. O jovem já retornou à casa de seu pai, Peleu, e graças à sua precoce vocação para as armas é comandante do poderoso exército dos mirmidões, povo de bravos guerreiros oriundos da Tessália. Há um grande burburinho e alvoroço em toda a corte.
As notícias desencontradas fervem por todos os recantos da Fitia, indo desaguar no seu escoadouro natural: o palácio real, onde reinam os soberanos Peleu e Tétis.
- A notícia parece ser mesmo verdadeira - diz Peleu à sua apreensiva esposa - O troiano Páris, infringindo todas as regras da hospitalidade aquéia, raptou Helena, esposa de Menelau, em sua própria pátria!. O Jovem Aquiles, um pouco afastado, mantém seus ouvidos atentos.
- As últimas notícias - ou boatos - dão conta de que todo o reino de Argos já está em pé de guerra, e que as tropas comandadas por Agamenon, irmão do ultrajado Menelau, estão prestes a partir para Áulis, onde os côncavos navios já as aguardam. Tétis, desorientada, retira os pés argênteos de seu escabelo e põe-se em pé.
- Mas por que tanto alvoroço em nosso reino? - exclama a rainha - Que parte devemos tomar nisto tudo, afina? - Já lhe expliquei mil vezes, Tétis, que há um pacto entre os diversos povos Aqueus - replica Peleu, adivinhando a apreensão da esposa - Desde que Helena dos belos olhos fora indicada para ser esposa de Menelau, todos os demais pretendentes ficaram obrigados a defender a sua honra, em qualquer circunstância.
- Então, sem dúvida, chegou esta circunstância! - bradou Aquiles, como quem está pronto para embarcar. - Calado menino! - gritou Tétis, que ainda não conseguia enxergar no jovem um homem pronto para as batalhas e para a própria morte. Peleu fez um sinal ao filho para que se calasse, enquanto Tétis, com os olhos rasos de água, correu para os seus aposentos.
Zeus poderoso! - clamou ela, de mãos postas, ao chegar lá - Faça com que meu querido Aquiles desista de participar desta funesta guerra. Mas a ninfa confiava ainda mais em sua argumentação; por isto mandou chamar imediatamente o filho ao seu quarto. - Aquiles, é preciso que você saiba qual há algo muito terrível ligado a esta guerra - disse Tétis, violentando-se para revelar algo que ocultara do filho a vida inteira.
- Não estou entendendo... - responde o jovem. - Aquiles, se você for para Tróia, morrerá muito, muito cedo!.
O jovem ficou pasmo, e seus lábios tremeram levemente quando falou:
- Quem lhe disse essa bobagem?. - Calcas,o adivinho - respondeu Tétis, com firmeza. - Você era muito pequeno e não podia entender. Mas agora chegou a hora de saber e de fugir ao seu destino.
Aquiles ficou abalado, pois sabia que os oráculos de Calcas eram infalíveis, e, apesar de valente e destemido, não tinha vontade alguma de morrer tão cedo.
- E o que a minha mãe sugere que eu faça para escapar de tão negro destino? - vou levá-lo, já, para a ilha de Ciros - Disse Tétis, como quem já soubesse há muito o que fazer - Já preveni anteriormente o rei Licomedes de que você irá se esconder em sua corte por algum tempo, até que esta guerra funesta se acabe.
Aquiles sentiu triunfar em si a vontade da vida, que era ainda mais forte do que o desejo de guerrear. Afina, jovem como era, ainda teria muito tempo para provar o amargo, ainda que vibrante, sabor das batalhas. Na noite seguinte, Tétis levou o filho até o ancoradouro, Aquiles, no último grau do enrubescimento, ia vestido de... mulher! Sim, só havia um jeito de impedir que ele acabasse reconhecido em uma corte imensa como a de Ciros: introduzindo-o no harém do próprio rei.
- Mãe, isto é uma humilhação, uma infâmia... - disse o jovem, momentos antes de embarcar. - Ninguém jamais saberá de nada, eu prometo! - respondeu a mãe, ajeitando o laço que prendia o delicado peplo ao ombro do rapaz - Ali você viverá cercado pelas mais belas mulheres de toda a Grécia; que mais pode querer a sua virilidade? Mas atenção: não permita jamais que o desejo por uma delas o faça revelar a sua real identidade, pois então estará perdido e o seu destino acabará sendo aquele que o velho Calcas vaticinou, o de perecer diante das muralhas da pérfida Tróia.
Aquiles, em seus trajes de mulher, partiu naquela mesma noite para Ciros e, depois de vários dias de viagem, chegou, finalmente, à corte do rei Licomedes.
Pirra, a ruiva
Pirra, o que você tem, que parece tão aborrecida? - Deidâmia, filha de Licomedes, rei de Ciros, entrara nos aposentos onde estavam instaladas as mulheres e concubinas do seu poderoso pai. Aquiles estava deitado sobre um pequeno leito; suas vestes, um pouco arrepanhadas, deixavam entrever um pedaço de sua perna direita, lisa e suavemente torneada. Os longos cabelos cor de fogo - que ele usava antes de ali chegar - haviam crescido ainda mais. Sua pele, após longos anos sendo tratada pelas essências mais suaves e balsamizantes, adquirira um tom claro e uma textura que fazia lembrar a do mais tenro pêssego da Arábia. Seus lábios, um pouco aberto, estavam mais rubros que o normal.
- Pirra, você está dormindo? - insistiu a bela Deidâmia, preocupada com sua melhor amiga, a bela Pirra dos rubros cabelos. A filha do rei, como de resto ninguém, além do próprio Licomedes - não sabia ainda que a jovem Pirra, na verdade, era o jovem Aquiles, filho do valoroso Peleu, rei da Fitia. Mas por um instinto mais forte que tudo, Deidâmia sentia que a cada dia uma ligação cada vez mais forte a reunia àquela bela e estranha moça.
A princesa acariciou os cabelos rubros de Pirra. Aquiles-Pirra, voltando o rosto em outra direção, preferia não encarar a companheira. Também ele, a cada dia que passava, sentia-se mais e mais atraído pela suavíssima Deidâmia.
Você está brava comigo? - perguntou a filha do rei. Pirra levantou-se e foi procurar refúgio em outro canto da peça, numa cadeira comprida de espaldar.
Deidâmia, aflita, correu atrás da amiga.
- Pirra, não fuja de mim sua tola! - disse a jovem, enchendo a boca e o rosto da companheira com seus beijos. Pirra colocou sua mão entre os lábios de Deidâmia e os seus próprios.
- Deidâmia, devemos evitar certos... certos contatos - disse Pirra. - O que foi, por quê...? - disse Deidâmia, fazendo-se rubra como os cabelos da amiga. - Minhas carícias a aborrecem?
- Bem,não é isto... - Disse Pirra, tentando não ofendê-la. - Meu hálito esta ruim? - disse Deidâmia, brincando e assoprando no rosto da amiga o puro ar que saía de sua boca, perfumado pelas mais delicadas folhas aromáticas.
Mas a própria Deidâmia, apesar de tentar levar a coisa na brincadeira, sentia também que a afeição que ligava as duas amigas há muito transcendera o nível da simples amizade. De repente fez-se séria e resolveu, também, dar vazão às suas dúvidas.
- Pirra... Pirra... O que está acontecendo conosco, minha querida? - perguntou Deidâmia, de olhos assustados. Era uma situação absolutamente nova e imprevisível aquela que aos poucos ia tomando corpo diante de si. - Já tinha ouvido falar de coisas, assim, sabe... as histórias que contam sobre a ilha de Lesbos... e das coisas que se passam lá...
- Do que você está falando? - perguntou Pirra, voltando a cabeça. - Sim falo de afeições estranhas... entre amigas... você me entende?. Aquiles novamente, sentiu um ímpeto de tomar a bela Deidâmia em seus braços e esclarecer logo aquela torturante dúvida.
- Não, não há nada estranho... - tentou consertar Pirra, a falsa donzela. - há sim, há sim... - disse Deidâmia, cobrindo o rosto com as mãos. - Não podemos mais fingir, Pirra querida... Oh, Afrodite suprema, como meu pai iria encarar este absurdo? Mas eu não posso mais esconder o que sinto, não posso!
Deidâmia havia tomado a cabeça da amiga e acariciava o seu rosto, sem saber que percorria com seus suaves dedos os traços do rosto de Aquiles. O jovem, então, não podendo mais suportar um desejo que reprimia há anos, tomou Deidâmia em seus braços e começou a beijá-la fervorosamente, no rosto,nos lábios, nos braços e no alvo colo.
- Pirra... Não, não Pirra! - dizia Deidâmia, tentando esquivar-se da boca insaciável da amiga, sentindo ao mesmo tempo uma ternura e um desejo imensos de retribuir aquelas carícias proibidas. Pirra começou a despir as vestes de Deidâmia, enquanto esta, assustada, sentia pela primeira vez a força insuspeitada dos braços do futuro guerreiro. Ao mesmo tempo, a filha do rei, não podendo mais resistir às carícias irrefreáveis da amiga, entregara-se àquele decreto das Parcas, ao mesmo tempo sinistro e delicioso. Suas mãos rasgaram, também, as vestes de Pirra dos rubros cabelos, mas ao perceber que a amiga nada tinha sobre o peito liso, estranhou. "Sempre me pareceu...oh!... que minha adorada Pirra... tivesse pouca abundância de seios...", pensava ela, de maneira entrecortada, entre os ardores que Eros lhe inspirava, "mas o que vejo agora... é que nada tem... como pode ser isto...?"
Aquiles, entretanto, retomando seus gestos masculinos, que sempre haviam guardados dentro de si, prosseguia, com fúria, no resgate de sua virilidade há tanto tempo afrontada. Assim estiveram, nus e se amando, até que Deidâmia teve a prova definitiva que desfez todas as suas culpas e tormentos.
- Pirra, querida... oh, você é um homem!
Aquiles ergueu-se, sorrindo, e ficou parado diante dela: seu orgulho viril estava, outra vez, estampado em seu rosto
Ulisses e a Descoberta de Aquiles
Ulisses e Diomedes chegaram à corte de Licomedes numa manhã clara e ensolarada. Exaustos da viagem, ainda assim acorreram logo aos salões do rei de Ciros. Ali, em entrevista franca com o soberano, instaram com ele para que lhes revelasse o paradeiro de Aquiles, mas Licomedes, temeroso de faltar com a palavra dada a Tétis, e mais ainda da reação do jovem filho desta, preferiu ocultar o que sabia.
Diomedes, tomando-se de cólera, tentou obrigar o rei a dizer a verdade, e já ia sacando sua espada quando Ulisses travou o seu braço.
Calma, Diomedes! - disse o astuto filho de Sísifo - Daremos um jeito de descobrir onde Aquiles se esconde; ao menos isto a hospitaleira generosidade de Licomedes não haverá de nos nega, não é? O rei não teve outro jeito senão permitir que ficassem em seu reino e procurassem o jovem o quanto quisessem; não sabendo do segredo maior, jamais iriam achá-lo, pensava ele: "Aquiles em tudo é uma perfeita mulher... Não lhe tem faltado, na verdade, nem alguns pretendentes...", pensou, com um sorriso divertido.
Aquiles, na verdade, já era pai de um garoto chamado Neoptolemo, filho de seus amores com a filha de Licomedes. Deidâmia fora afastada do convívio do amante após a descoberta de seu relacionamento e desde então vivia retirada com o filho numa casa afastada, no campo.
Ulisses e Diomedes andaram por tudo na grande cidade de Licomedes. Entretanto, por mais que pesquisassem e indagassem, andando pelos locais freqüentados pelos homens, não acharam nem sinal do jovem Aquiles.
- Estará no campo? - disse Diomedes, imaginando o quanto teriam de andar para descobrir o esconderijo do filho de Peleu. Mas o astuto Ulisses não respondeu à sugestão do companheiro; após observar um grupo de mulheres indo em direção ao palácio, seus olhos se iluminaram.
- Voltemos imediatamente ao palácio - disse, ele dando as costas ao surpreso Diomedes. Ao chegar ao palácio real. Ulisses reuniu-se com alguns de seus homens e mais tarde comunicou ao rei que tinha alguns presentes para dar às mulheres da casa.
- Pirra vamos, disse uma das suas amigas, quase histérica. - Os belos estrangeiros vão distribuir presentes para nós todas. Aquiles, que ainda permanecia com suas vestes femininas, acorreu junto com as amigas para ver o que estava acontecendo. Ao chegar ao grande salão, descobriu ao centro um grande tapete estendido repleto de roupas e jóias.
As jovens lançavam-se sobre os presentes como as pombas sobre o milho em um dia ensolarado. Gritos de alegria se misturavam a gritos de rancor, produto das amargas disputas pelas melhores peças.
- Vamos Pirra, escolha logo algo para você! - disse-lhe a amiga, impaciente. Mas o jovem Aquiles não podia mais fingir interesse por nada daquilo que se esparramava à sua frente: vestidos, braceletes, brincos, colares - tudo isto lhe provocava uma repulsa cada vez maior desde que exercitara pela primeira vez a sua virilidade com a bela Deidâmia.
De repente, porém, Aquiles teve a sua atenção despertada por um brilho verdadeiro que viu faiscar em meio às dobras do grande tapete. Uma magnífica espada prateada dentro da sua bainha, lavrada com finos engastes, surgira em meio aos trapos e quinquilharias! Ao seu lado estava um belo escudo dourado, de cinco espessas camadas - as três primeiras de couro de boi, sobrepostas por uma de bronze e por cima de todas uma última, reforçada, de ouro - com sua correia de prata presa no interior. Aquiles,fascinado, viu surgir aos poucos o grande escudo, como um maravilhoso e redondo disco solar, enquanto as tolas moças retiravam rapidamente de cima dele os odiosos trapos e bijuterias.
Como se isto não bastasse, ainda podia-se perceber magnificamente gravada sobre a faiscante face do escudo a cena de uma grande batalha: Zeus, montado em seu carro, abatendo os gigantes de longas caudas serpenteantes.
Mas isto não era tudo: além do escudo e da espada, ainda havia uma couraça azul-ferrete - que, sob a ação da luz, ora tomava um aspecto completamente negro, ora se anilava num azul escuro intensamente luminoso - e a última pela, um elmo prateado de estonteante beleza, que se ajustava perfeitamente às têmporas com duas douradas saliências laterais, encimado pelo penacho mais negro e mais sedoso já visto por um olho humano.
Aquiles teria ficado o dia inteiro ali, paralisado diante das armas nuas, se Ulisses - o homem das mil astúcias - não tivesse engenhado um último estratagema.
Pois dali a pouco alguns homens seus do lado de fora do palácio começaram a bater espadas e escudos e a dar grandes brados de guerra:
Às armas, valorosos guerreiros! - diziam as vozes, altaneiras - Às armas, que o palácio inteiro está sob o ataque de cruéis invasores!
Aquiles, como quem desperta de um sonho, avançou para as armas e, após envergar a couraça e tomar a espada, correu em direção à porta do palácio.
- É ele, Ulisses, veja! - bradou Diomedes, tomando o braço do amigo. Ulisses, contudo permanecia parado, com um sorriso tão satisfeito que nem mesmo suas barbas hirsutas podiam ocultá-lo. Aquiles, aliviado, embarcou no mesmo dia para Argos. Ia ao encontro do destino irrevogável que as Moiras sinistras desde sempre lhe haviam prescrito. .
A Guerra de Tróia: Aquiles luta contra Escamandro
A Guerra de Tróia, travada pelos gregos para recuperar Helena de belos olhos das mãos de seus raptores, ainda ardia em seu furor.
O irado Aquiles já se reconciliara com o chefe da expedição grega, Agamenon, para quem perdera a posse de uma escrava, abastendo-se, em revanche de participar da maior parte da guerra. O herói estava de volta à luta, com todo o furor de sua alma. Como lobo ferido que, estando longo tempo retirado na floresta por não ter condições de perseguir e dilacerar com seus afiados dentes a presa ambicionada, retorna, enfim curado, com redobrada voracidade, assim era Aquiles, semelhante aos deuses, quando, empunhando sua lança e o escudo forjados por Hefesto, colocava outra vez seus pés de sólidas grevas sobre o campo de batalha.
- Eia, gregos de longas cabeleiras! - gritava o heróico filho de Tétis, a deusa dos pés argênteos. - Assolemos o inimigo até que, recuando às portas Céias, os obriguemos a nos dar entrada na sagrada cidade de Príamo, semelhante aos deuses!
Aquiles de pés velozes, louco de fúria por haver perdido seu fiel amigo Pátroclo, morto às mãos de Heitor de elmo reluzente, matava troianos sem fazer a conta. Seu carro, avançando com fragor, esmagava os corpos e escudos dos inimigos abatidos, de tal forma que o pêlo alvo dos seus cavalos estava agora todo tinto do sangue dos guerreiros mortos.
- Aqui, às margens do Escamandro, misturarei as suas águas cristalinas com o sangue torvo destes cães! - bradava sempre. De fato, cumpria o guerreiro grego regiamente o que dizia: após encurralar os troianos assustados até as margens do rio que nasce no monte Ida, começou a passá-los na sua comprida lança, assim, como fazem os pescadores quando os peixes em desova, na estação dos calores, abundam, atropelando-se uns aos outros sobre as margens espumosas dos férteis rios.
As águas do torrentoso Escamandro absorviam o sangue que jorrava dos corpos ajuntados em seu leito, quando, de repente, do centro das águas escarlates e revoltas, ergueu-se aos poucos, bem em frente a Aquiles de insaciável lança, a cabeça e o corpo de um velho descabelado. Seu semblante era irado e suas vestes, antes alvas e orladas de franjas espumosas, agora estão tintas do sumo amargo das batalhas.
- Basta Aquiles! - grita o velho e iracundo Escamandro. - Vá saciar sua sede nas planícies,pois não posso mais beber o produto amargo da sua ira! - Silencie suas queixas, portentoso rio que desce do elevado Ida! - diz Aquiles de sólidas grevas, afrontando de espada erguida o próprio rio de sagradas águas - Minha vontade já decidiu que o curso de suas espumosas águas será interrompido até que os peixes que nelas sobrenadam tenham despido com as bocas toda a gordura que reveste os ossos desses inimigos!
Escamandro, rio irado, mergulha de volta às torvas águas. Dali a instantes um turbilhão furioso começa a sacudir o leito inteiro do rio, e ondas altas como aquelas que o proceloso mar ergue em dias de tempestade começam a sublevar-se também por todo o seu majestoso curso.
Assim como as águas dos rios nas épocas de cheia expulsam de si os corpos de animais mortos, tragados pela correnteza em sua inconsiderada sede, tal é o furor com que o Escamandro de revoltas águas lança para o alto os corpos dos troianos de fundas feridas, fazendo no ar um horrendo concerto de armaduras e escudos que se entrechocam.
- Aquiles, semelhante aos deuses! - Exclama o velho rio, cuja face engelhada e gigantesca surge misturada às revoltas águas. - Sua sede de sangue ultrapassou todos os limites e agora infringe também os sagrados limites do temor aos deuses. Por isto, farei desabar, agora, sobre você, a força de meus milhares de braços embebidos pela ira!.
Uma tremenda cortina de ondas espumosas envolve, então, o valoroso filho de Tétis, fazendo com que desapareça diante de seus olhos a luz que o carro do sol ainda esparge generosamente por todo o azulado empíreo. Assim como o caminhante descuidado, que se metendo por ravinas pouco conhecidas mete o pé por tudo, de maneira inconsiderada, indo acabar por cair ao profundo fosso, cercado pelas paredes úmidas e impossíveis de serem escaladas, assim Aquiles de grande cabeleira vê-se cercado pela parede sólida das águas do irado Escamandro.
- Rio divino, por que se mete em um assunto que não lhe diz respeito? - brada Aquiles, de espada luzente ao punho. Mas Escamandro de cenho franzido não se digna mais em responder e faz desabar sobre o herói, filho de Peleu, todo o fragor de suas águas. Aquiles de pés velozes, dando um salto, põe-se então a correr, após furar a cortina d'água com um golpe furibundo de sua cortante espada.
O rio, afrontado ainda mais por este golpe que uma mão mortal ouse lhe desferir, convoca todas as suas águas para que, deixando o leito onde até então descansavam mornamente, se ergam com uma só corrente para esmagar o agressor de longas cabeleiras.
Aquiles de pés velozes faz então valer a sua alcunha: virando o escudo para as costas, corre com quantas pernas tenha para longe das ameaçadoras águas.
Uma onda gigantesca, com o formato de um poderoso braço, ameaça abater-se sobre o escudo que Aquiles de sólidas grevas traz preso às costas.
- Por mais que corra, bravo Aquiles, não poderá fugir ao meu fero braço, que só busca vingar a torva ofensa que fez aos deuses! - ruge o proceloso e irado rio.
- Mesmo que seus pés ligeiros tentem levar-lhe adiante, com este imenso escudo preso às costas você parecerá sempre, diante de minha rapidez, como o lerdo animal de que a ira de Hera soberana se serviu para castigar Quelone, a preguiçosa ninfa!
Assim como braço do gigante aborrecido serve para espantar a pequena e frágil mosca que teima em lhe perturbar o sono, assim o braço líquido do Escamandro, de forte corrente, abate-se sobre o audaz guerreiro.
Aquiles de longas cabeleiras é lançado longe, mas ainda tem vigor bastante nos pulsos para agarrar-se ao robusto galho do olmo alto e frondoso que está à sua frente. Mas nem as sólidas raízes da portentosa árvore, metidas nas profundezas da terra dura, são fortes o bastante para parar o curso impetuoso das águas do encolerizado rio, que leva adiante a árvore, as raízes e o guerreiro valoroso, que em um de seus galhos segue preso, a mal de sua sina.
Então, estirando os braços de sólida musculatura, Aquiles, filho de Peleu, lança-se com um grito de guerra ao peito portentoso do Escamandro irado, bracejando em suas águas temperadas pelo sangue dos troianos de sólidas armaduras. Após travar rude combate, num corpo a corpo viril com o próprio rio, alcança com seus pés cansados a planície, que agora serve de margem às águas expandidas do revoltoso escamandro.
- É debalde, Aquiles semelhante aos deuses,que procura a planície ou outra elevação qualquer para escapar à minha ira - diz o rio, insaciável de furor, pois onde as pegadas fundas de seus velozes, porém já cansados pés, pisarem, em seguida as farei apagar como curso furibundo de minhas niveladoras águas. Neste momento, Aquiles, apoiando-se a um rochedo, ergue os olhos até a morada de Zeus celestial e clama, assim, em sua voz:
- Pai dos deuses, por que permite que a fúria de um deus menor se sobreponha ao seu poder infinitamente maior? Por que consente que o filho da sua querida Tétis, esposa de meu pai Peleu, passe pela vergonha de ter de morrer afogado como um reles pastor,que tomando pé errado afunda sobre as águas de um córrego raso e acaba por entregar ao Hades sombrio, de maneira esquecida e vexatória, a sua alma reles? Quer dar, então, este mesmo lastimoso fim ao rompedor das muralhas de escudos troianos de sangue audaz erguem todo dia à sua frente, e que os rompe com o poder de sua incansável lança?
Enquanto diz tal, os joelhos de Aquiles avançam a custo sobre a água, que já lhe sobe pelas fortes grevas. Os corpos e armaduras dos troianos mortas batem a todo instante em seus desprotegidos flancos, magoando-os. E assim como os astros brilhantes rodopiam sobre o éter, despedindo sua fulva luz, assim os escudos dos vencidos, brilhando e rodopiando ao sabor das ondas, parecem pequenos sóis a girar seus curso errante sobre a planície inundada.
Quando Aquiles já está prestes a ser engolido em definitivo pela imensa boca do Escamandro, cujos dentes são os vorazes peixes que degustam a carne apodrecida dos guerreiros mortos, eis que Hera, esposa de Zeus, surge ao lado do pai dos deuses.
- Basta, meu tresloucado esposo! - grita a deusa de olhos brilhantes. E dando-lhe as costas vai buscar seu filho coxo, Hefesto, artificioso deus.
- Vai, filho e artífice soberano! - diz Hera, de altivo ar. - Liberta, desde já sobre o tormentoso rio, o fogo inteiro de suas forjas, até que Escamandro, engolfado pela ira, veja-se obrigado a refluir as águas aos seus antigos e prescritos limites.
Hefesto, do portentoso fogo, sobe então de suas escuras furnas e empunhando seus foles vigorosos faz surgir rios de fogo e pez, que lança incontinenti sobre as águas do revoltoso Escamandro. As águas do rio, iradas, erguem-se como colunas prateadas e avançam para fazer frente às labaredas que avançam, também, em ordenada fila.
- Escamandro, deus decrépito, pretende fazer frente, então, ao fogo insaciável de meus foles? - brada Hefesto, sacando de sua portentosa aljava os raios que os ciclopes forjaram a noite inteira, em suas escuras e fuliginosas furnas. O choque dos dois exércitos, do fogo que escalda e da água que enregela, abala o céu e a terra. E assim como aves, postadas em alegre cantoria durante o dia inteiro, suspendem suas vozes, voltando suas cabeças para o horizonte de onde rola o trovão furibundo que prenuncia a faiscante tempestade, assim, dentro e fora das muralhas da cidadela disputada cessam os gritos de ira e de dor, para que aqueus e troianos unam seus olhares atemorizados para o terrível fragor de armas que se fez quase ao lado.
O fogo tremendo de Hefesto artificioso calcina toda a planície, depois de haver secado as águas invasoras que a afogavam, queimando e consumindo as carnes, os ossos e mesmo as armaduras e escudos que ali jaziam abandonados. Uma massa líquida, ainda fumegante, mistura de ossos negros e bronze derretidos, ainda coalha a campina como o vômito infecto que alguma fera das batalhas, descomunal e largamente saciada, houvesse regurgitado sobre o chão.
As águas do impetuoso Escamandro agora chiam, lançando para os céus uma gigantesca nuvem de vapor, enquanto os peixes, que nele fazem sua morada, sobem mortos aos milhares, cozidos a ponto de romperem-se suas peles, flutuando sobre a linha d'água como um manto ondulante e cintilante de escamas.
A figura do velho Escamandro rompe, finalmente, a superfície das suas próprias águas, sem poder mais nelas se ocultar. E assim com o mergulhador, que após percorrer as profundezas do rio consumiu gota a gota o último alento dos pulmões, tal é o estado que o Escamandro apresenta quando coloca para fora da água a sua cabeça de longas, úmidas e prateadas cãs.
- Hefesto, artífice supremo! - clama Escamandro, de faces afogueadas que refulgem como o pomo avermelhado das macieiras, quando o sol nelas incidiu o dia inteiro - Cessa a ira de suas forjas, eis que minhas águas não são fortes o bastante para deter o fragor insaciável das línguas de fogo que você expele com tanto ímpeto!
Escamandro, como quem ferve e referve dentro de um caldeirão, abrasado de maneira incessante pelo basto lenho incendiado que arde em sua base, sente que suas forças o abandonaram, e antes que cesse toda a vida de suas águas pede trégua ao inimigo, que não cessa nunca de cuspir mais e mais o produto ígneo de suas forjas.
Hefesto, filho amado - diz finalmente Hera, a deusa de olhos brilhantes - , que as palavras de clemência de um velho e vencido rio bastem para acalmar a sua ira.
O deus Artífice, no entanto, ainda esparge por todo o leito do rio o conteúdo flamejante de seus foles. Hefesto brande os seus pesados foles até que nem mais uma única faísca reste dentro deles.
Enquanto isso, na planície, Aquiles empunha novamente a sua lança e com um berro descomunal já arremete outra vez contra os troianos, os quais,diante do avanço inexorável do mais terrível dos aqueus, se precipitam e atropelam, com todo o vigor de seus pés e joelhos, em direção às muralhas seguras de Tróia, mãe-pátria protetora.
A Guerra de Tróia: Aquiles luta contra Mêmnon
Mêmnon era um gigante negro, filho de Titono e Aurora. Ao saber que Príamo, irmão de seu pai, estava em apuros em sua Tróia sitiada, acorrera com todos os seus exércitos para ajudar a defender a cidade.
- Meu filho Aquiles - dissera sua mãe, Tétis, ao saber da chegada do guerreiro. - Não lute contra este terrível inimigo, pois se o fizer, haverá de vencê-lo...
- E daí...? - perguntara o herói aqueu. - Qual mal haverá em vencê-lo? - Você não me deixou terminar, adorado filho, está determinado pelos deuses que após matar Mêmnon será você o próximo a baixar às sombrias moradas de Hades.
Aquiles então decidiu combater em outra frente, a fim de evitar um confronto que, mesmo lhe sendo favorável, seria o primeiro passo para a sua própria morte.
Porém se Aquiles tinha uma mãe previdente para velar por seus atos, o gigante etíope não lhe ficava atrás, pois sua mãe Aurora logo acorreu, também, ao campo de batalha, para lhe dar a alegre notícia.
- Nada tema, meu querido Mêmnon - disse a deusa de róseos dedos. - siga ceifando vidas à vontade, eis que o cruel Aquiles, em lhe matando, estará matando a si próprio!. Mêmnon, com um sorriso que iluminou suas faces negras como o ébano, empunhou com mais vigor e gosto a sua lança banhada do sangue aqueu e retornou à luta, sem temer que a mão poderosa do invencível Aquiles se abatesse sobre ele.
Ora, entre os combatentes aqueus, havia um inexcedível valor: Antíloco, filho de Nestor, rei de Pilos, o mais velho dos gregos. Fora Antíloco quem levara Aquiles a notícia da morte de seu querido amigo Pátroclo, morto pela fúria do troiano Heitor. Desde então, tornara-se o amigo dileto do grande guerreiro. Antíloco estava à frente das muralhas da sagrada Tróia, junto com seu pai Nestor, quando Mêmnon começou a destroçar os exércitos gregos.
- Cuidado, meu pai! - alertava Antíloco ao pai, por diversas vezes, ao perceber que este se expunha demais à lança inimiga. O velho Nestor,apesar da idade, estava enfurecido pela maneira com que o gigante negro exterminava os gregos. - Ainda resta um pouco de força em meus velhos braços para afrontar este cão negro! - bradou o velho Nestor, brandindo a custo a sua espada. Mêmnon, arreganhando os dentes, investiu, então, contra o velho.
- Grande glória caberá a mim por haver matado Nestor, o homem que já reina sobre a terceira geração de súditos! Antíloco, vendo que a funesta mão da morte se aprestava a dar cabo da vida de seu pai, lançou-se entre o peito de Nestor e a lança que inevitavelmente o trespassaria.
- Melhor Assim! - exclamou Mêmnon. - Terei a glória de matar, antes do pai, o próprio filho. - E empurrou com toda a força sua lança de cabo comprido no peito de Antíloco, após atravessar o escudo de três couros de boi superpostos e mais uma camada de duro bronze. Antíloco caiu morto aos pés de Nestor, mas, graças aos seus homens, Nestor de alvas barbas foi salvo da mesma lança assassina que ceifara a vida de seu filho. Enquanto isso Aquiles, combatendo noutro lado, após matar muitos troianos, recebia finalmente a notícia da morte do amigo.
- Mãe Tétis! - bradou Aquiles, desvairado - Outra vez as Moiras decidem me submeter à dor! Depois de ter de suportar a perda de Pátroclo fiel, terei agora de suportar, também, a de Antíloco audaz?.
Tétis assustada, correu até o filho, pois pressentia o pior. - Aquiles, não queira vingar a morte de seu amigo. - Lembre-se de minha advertência e suspenda o ódio que levanta agora a sua espada!.
Mas Aquiles estava, outra vez, tomado pela ira - e todos havia aprendido, desde a morte de Heitor, o quanto a sua ira, uma vez acesa, era cruel e implacável.
Dirigindo seu carro para lá, chegou a tempo de presenciar encarniçada batalha.
- Já vejo, por entre os reluzentes elmos de escuros penachos, um elmo ainda mais alto e brilhante que todos! - gritou Aquiles a Automedonte, seu valoroso condutor.
- Sim Aquiles, de pés ligeiros, é Mêmnon, o cruel carniceiro da nação dos etíopes quem lavra a morte em nossas fileiras - disse Automedonte, com ódio a arder dentro de sua couraça.
Aquiles, desmontando o carro, fora apé com suas armas e seu escudo enfrentar, em combate singular, o terrível sobrinho de Príamo, nutrido pelos deuses.
- Ah - bradou Mêmnon, erguendo a cabeça de elmo flamejante.
- Eis que o filho de Tétis, criado entre virgens e delicadas moças, deixa finalmente o medo e vem me enfrentar!
- Aquiles empunhando a lança, bradou também ao gigante:
- Funesto momento é este que se prepara para você, cão etíope, onde o seu sangue negro haverá de se misturar à sua pele escura!
E arremessou incontinenti a sua lança. Mas pela primeira vez Aquiles errou o seu arremesso - pois tinha pela frente desta vez, um inimigo verdadeiramente à sua altura.
- Agora é a minha vez! - disse Mêmnon, com um grito de triunfo. Mêmnon arremessou a sua lança: o comprido dardo fendeu os ares, lançando ao ar um assobio assustador, indo atingir a mão direita de Aquiles. O aqueu, entretanto, que só era vulnerável no calcanhar, com a mesma mão sacou sua espada e desferiu um golpe terrível sobre o ombro do gigante negro, que deu um grande grito de dor. Enquanto os dois guerreiros trocavam seus terríveis golpes, Tétis e Aurora, as mãos dos dois, correram, aos prantos até os pés de Zeus, para implorar pela vida de seus respectivos filhos.
- Pai supremo, que nutre os nervos e os ossos dos dois combatentes! - disse Tétis. - Poupa a vida de meu Aquiles, eis que é o maior dos guerreiros que combatem diante destas malsinadas muralhas!
- Se é por isso,então que vença o meu amado Mêmnon, eis que ousa enfrentar o maior e mais capaz dos guerreiros! - brada Aurora de róseos dedos.
Zeus então, tomando a balança, fez pesar o destino dos dois combatentes, e o peso de Mêmnon baixou mais que o de Aquiles.
- As Moiras decidem que o fio da vida do sobrinho de Príamo deve ser rompido - diz o deus supremo, comunicando o decreto irrevogável.
Nesse instante Aquiles vibrou um golpe com sua poderosa espada, lançando para os céus o gigantesco escudo de Mêmnon - tão grande que por um instante pareceu haver dois discos solares pairados no ar. Depois, tendo à sua mercê o inimigo, largou fora a espada e, tomando da sua lança de freixos, herança de seu pai, Peleu, avançou para o gigante com destemor na alma.
O gigante mesmo assim atrevido, expôs sua couraça aos temíveis golpes de Aquiles dizendo:
- Escolha um lugar, mosquito arrogante, e ainda assim vibrará seu golpe em vão, pois que minha armadura é invulnerável como a sua, produto que é da arte consumada de Hefesto, deus das forjas!
Aquiles aproximou-se e, divisando uma fenda na parte inferior do queixo, desprotegida pelo capacete de negro penacho, empurrou, de baixo para cima, a sua lança de ponta brôncea e aguçada, a qual entrou pela boca adentro de Mêmnon, contando sua língua e indo além até abrir uma cratera em seu capacete, na parte de cima. Pedaços de miolos do gigante negro espirraram par ao alto e ele permaneceu em pé, apoiado à lança.
- Agora cai, gigante, como cai o alto cedro! - disse Aquiles, retirando a arma.
O gigantesco Mêmnon caiu do alto, e sua armadura retiniu intensamente sobre o chão cobrindo-se de pó misturado com seu próprio sangue.
A deusa dos dedos róseos lançou um grito estridente que atroou os céus: seu filho Mêmnon estava morto, enquanto sua alma, apesar de tudo coberta de glória, uma vez que o fazia pela mão de Aquiles, o maior dos guerreiros, baixava rapidamente ao Hades sombrio.
Mas antes que os gregos se apoderassem do corpo do audaz Mêmnon, Aurora correu até Tétis, mãe do vencedor Aquiles, e clamou:
- Tétis, deusa e mãe como eu, provará em breve a mesma dor que agora provo; por isto peço que afaste seu irado filho do corpo do meu, que jaz ali abatido - ai, em quão miserável estado! - e que permita que o leve para sua terra, para que lá possa receber as lágrimas dos seus e gozar dos ritos fúnebres a que tem direito.
Tétis penalizada, concedeu, e assim, Aurora, de dedos tornados escarlates, tomou nos braços o corpo ensangüentado do filho para levá-lo até as margens do rio Esepo. Ali os seus súditos juntaram seus lamentos aos de toda a natureza, e desde aquele dia Aurora, inconsolável, derrama ao amanhecer as suas lágrimas copiosas conhecidas pelos humanos como orvalho, sobre os campos.
A Guerra de Tróia: A Morte de Aquiles
A Guerra de Tróia estava no auge da sua fúria. Após nove anos de cerco à cidade de sólidas muralhas, Aquiles, o maior dos aqueus, já havia imortalizado o seu nome por meio de diversas façanhas. Fora ele, por exemplo, quem matara Heitor, filho do rei Príamo, o maior dos troianos; fora ela quem vencera Pentesiléia, rainha das Amazonas, em duelo singular; fora ele, também, quem vencera o gigantesco Mêmnon, filho de Aurora e guerreiro da nobre estirpe dos etíopes.
Aquiles, após abater Mêmnon, sobrinho de Príamo, estava agora tomado por uma grande cólera, como até então jamais havia experimentado - nem mesmo quando da morte de seu amigo Pátroclo, que tanta dor e mágoa lhe causara.
- Agamenon - disse Aquiles ao chefe dos aqueus -, meu coração não pode mais suportar tanta arrogância por parte desses troianos, que já há quase dez anos nos mantêm humilhados do lado de fora destas malditas muralhas! Sim, meu coração anseia por derrubar de uma vez estas portas que nos impedem o acesso à cidadela! Ele anseia também pela volta à nossa casa, com os côncavos navios repletos das riquezas que Ílion inteira esconde em suas casas, templos e palácios!
Nesse instante, Tétis, deusa marinha e mãe de Aquiles, inspirou ao chefe grego estas palavras:
- Aquiles, audaz e implacável filho de Peleu, lembre-se do funesto presságio que paira sobre a sua cabeça: desde sempre foi predito que você jamais viria a transpor as portas Céias, que resguardam as mulheres e os tesouros da sagrada Tróia.
- O que tiver de ser repousa sobre os joelhos dos deuses - disse Aquiles, cuja impaciência chegara ao limite - Jamais um guerreiro deixou de cumprir os mandamentos de seu peito por receio de meros presságios ou vaticínios. Aos adivinhos, os presságios; aos guerreiros, a espada. Além do mais, uma nova morte pesa sobre meu coração, a de Antíloco, filho de Nestor e leal companheiro que a crueldade troiana fez baixar recentemente à morada das sombras.
E tomando de sua lança, Aquiles ordenou aos seus mirmidões - guerreiros da Tessália, seus comandados - que o seguissem de lanças em riste. Uma nova carnificina começou, então. Os cadáveres dos troianos juncavam o chão em frente às muralhas de Tróia, fazendo transbordar as águas do rio Escamandro, que corre perto com suas águas revoltas.
- Adiante mirmidões de sólidos escudos! - bradava o filho de Tétis. - Grandes recompensas os aguardam atrás destas paredes erguidas por duas divindades!
No alto das muralhas, Príamo, rei da Tróada, acompanhava apavorado o massacre dos seus homens. Ao seu lado estava seu filho Páris, raptor da bela Helena, que abandonara seu esposo Menelau, em Esparta, para ir viver com o belo irmão de Heitor.
- Páris, meu filho, parece que desta vez aquele terrível homem transporá as sólidas portas de nossa sagrada Tróia! - disse Príamo, aterrado com a aproximação de Aquiles e de seus furiosos mirmidões. - Páris, sem responder, cogitava sobre as terríveis conseqüências que estavam prestes a se abater sobre si e toda a cidade. As recriminações de seus irmãos e os olhares de ódio de seus compatriotas ainda estavam bem presentes em sua mente. Agora que tudo parecia perdido, podia perceber, mais do que nunca, aqueles mesmos olhares acusativos caírem sobre si como pequenos dardos envenenados.
Na verdade, Páris já tentara, de algum modo, chamar a si a responsabilidade para a solução daquele conflito, quando propôs a Menelau, o marido ultrajado, um combate singular entre ambos, como forma de resolver a disputa. Entretanto, levara a pior, e se a própria Afrodite não o tivesse ocultado em uma nuvem e levado para seus aposentos, dentro das muralhas protetoras, estaria agora morto - tão morto quanto a maioria de seus muitos irmãos, entre os quais Heitor, que tanto o censurara por suas atitudes levianas.
Enquanto Páris refletia sobre tudo isso, o bravo Aquiles, surdo a tudo, continuava a investir com fúria nunca vista, cortando braços, arrancando cabeças e pisoteando os corpos abatidos, como um leão que quando avança sobre um redil de ovelhas se atraca em todas, indiscriminadamente, movido apenas pela gana de enterrar as compridas unhas no pêlo fofo de suas vítimas, até torná-lo tinto do sangue negro e inebriante.
Aquiles estava agora diante as portas Céias,Apenas alguns bravos combatentes troianos ainda restavam diante da sua fúria incontrolável.
Então uma voz, que não era humana, partiu do alto das muralhas:
- Aquiles, temerário! Volta os passos para trás, eis que já foi determinado pelos deuses que jamais vai colocar os pés dentro destas muralhas!. - Era Apolo, filho de Zeus e Leto, quem lhe dirigia essas acerbas palavras. Tétis, mãe de Aquiles, oculta sob a forma de um de seus soldados, tentava fazê-lo retroceder:
- Eia, Aquiles valoroso, voltemos ao nosso acampamento, pois é voz mortal quem lhe adverte de grave dano à sua pessoa!
- Cale-se, covarde, e retroceda sozinho, se assim lhe apraz! - disse o filho de Tétis, empurrando rudemente o soldado, sem saber que afastava a própria mãe de chorosos olhos. - Hei de arrancar estas portas com meus próprios braços, e não serão vãs ameaças, ditadas por lábios mortais ou imortais, que me impedirão de levar adiante um ato de justa vingança que clama aos céus!
- Aquiles, a ira faz você blasfemar e invocar os deuses ao mesmo tempo! - Disse Apolo, enfurecido pela audácia daquele homem. - Lembre que, ao fim e ao cabo, é mortal como todos os outros que vibram as lanças e os escudos junto de você. Até Sarpedon, filho do deus supremo, também baixou, de há muito, às sombrias moradas. Se você teimar na impiedade, terá, ainda com mais razão, o mesmo destino.
Aquiles, contudo, permaneceu surdo às funestas advertências: de espada em punho avançava resolutamente para as imensas portas,enquanto sua mãe, Tétis, de pés prateados, afastava-se, vencida pelos fados inexoráveis.
- Eia, mirmidões, arremetam às portas com este aríete feito de sólido carvalho e afiadíssima ponta! - disse o herói, pondo todo o empenho em sua voz. Páris, ao alto, penava em seu desespero, pensando no que poderia fazer para deter aquele terribilíssimo homem, quando escutou a voz de Apolo soar a seu lado:
- Páris, nutrido pelos deuses, apreste ligeiro o seu arco e escolha a melhor das flechas!
- Aquiles é invencível!... - bradou Páris ao filho de Leto. - Seu corpo, banhando nas águas do Estige, é invulnerável, e seta alguma poderá feri-lo.
Tétis, num último gesto de amor materno, aproximou-se, então de Apolo,e lhe disse estas palavras:
- Apolo, filho de Zeus soberano! Toma antes uma de suas próprias flechas, se queres, para alvejar meu filho, eis que suas flechas tiram a vida em causar dor.
O filho de Zeus acedeu e, estendendo a Páris uma de suas próprias flechas, lhe disse em seguida:
- Toma e faz o que digo. Quanto ao rumo que a seta seguirá, não se preocupe,pois cabe a mim dar-lhe o rumo correto. - Páris ajustou a seta fatal ao seu arco e espichou a sólida corda até que as duas extremidades do arco, feito de fina e maleável madeira, se unissem. - Dispara agora, filho de Príamo!. - Ordenou Apolo, arremessando-se junto com o dardo, foi conduzindo-o até o seu alvo, que era o calcanhar direito de Aquiles. O guerreiro,alvejado pela seta mortal, sentiu o pé fraquejar, embora dor alguma lhe lancinasse as carnes.
- Fui alvejado... - Gritou Aquiles, compreendendo, num instante, que seu fim se aproximava. Arrancando o dardo do calcanhar, que sangrava copiosamente, mesmo assim o filho de Peleu ainda encontrou forças para continuar batalhando. "Hei de cair somente depois que meus mirmidões tiverem rompido as portas que dão acesso à cidadela!", pensava ela, brandindo com fúria redobrada a sua espada encharcada de sangue inimigo.
Aquiles avançou, cada vez com maior dificuldade, pois a sombra da morte começava a descer sobre seus olhos e, após haver semeado o pânico entre os troianos, apoiou-se sobre o madeiro sólido e intransponível de uma das gigantes portas Céias. Seus joelhos fraquejaram pela última vez, e sentiu que sua alma começava a descer ao Hades sombrio para ir fazer companhia aos companheiros mortos.
- O destino de Tróia está, desde sempre, também decretado! - bradou Aquiles, nos últimos arrancos de sua vida quase extinta. - E tão certo quanto agora cumpro meu negro fado, chegará muito em breve a vez de vocês também cumprirem o seu! Não terão como escapar, e então sentirei espumar em minha boca, mesmo nas moradas sombrias, o sumo feliz da vingança!
Aquiles cerrou seus lábios e sua armadura finalmente retiniu sobre o chão, com imenso estrondo, cobrindo-se de seu próprio sangue ajuntado ao pó. Grande júbilo ergueu-se do alto das muralhas: Príamo, aliviado, via exterminado, de uma vez por todas, o flagelo grego, matador de troianos e de seu querido filho Heitor.
Começava nesse instante, porém, uma outra batalha, agora pelos despojos do maior dos aqueus. Ájax e Ulisses, companheiros fiéis, arremessaram-se ao corpo para impedir que mãos inimigas o raptassem, apossando-se de sua armadura gloriosa, fabricada pelas próprias mãos de Hefesto, inexcedível artífice, e levassem seu corpo para dentro das muralhas, para ser esquartejado e lançado aos dentes corruptos dos cães de Tróia.
Era a vez, agora, de Aquiles ter seu corpo arrastado de um a outro lado e coberto de sangue e de pó, como acontecera a tantos outros desde o começo daquela terrível e cruenta guerra.
Enéias, pelos troianos, forcejava junto com os seus para apoderar-se do corpo, enquanto que Ájax e Ulisses os repeliam com toda a fúria. Glauco, primo de Sarpedon morto, conseguira laçar os pés esfolados de Aquiles e já ia arrastando o corpo até as hostes troianas, quando Ájax, arremessando um dardo certeiro, prostrou-o sem vida no chão.
E assim, ao redor do corpo ensangüentado do filho de Tétis, foram caindo, às dezenas, os guerreiros que lutavam em busca do prêmio mais ambicionado: o corpo e as armas de Aquiles, filho de um mortal e uma Ninfa.
Finalmente, os gregos levaram a melhor e conduziram o corpo de Aquiles para as suas tendas. Lá o herói recebeu os rituais fúnebres devidos, sendo queimados seus despojos numa imensa pira, sob o choro de todos os companheiros, e até dos deuses, que do alto lamentavam a morte do maior guerreiro que o mundo já vira. Tétis, sua mãe, veio das profundezas do mar, junto com suas nereidas, coberta de luto, e durante toda a cerimônia não cessou de lamentar a morte de seu querido filho.
Depois, as cinzas de Aquiles foram depositadas junto às de Pátrolco, amigo e fiel companheiro de armas, conforme o seu desejo.
QUEM FOI AQUILES
A antiga e rica lenda de Aquiles ilustra a assertiva de que "os eleitos dos deuses morrem jovens", já que o herói preferiu uma vida gloriosa e breve a uma existência longa, mas rotineira e apagada.
Aquiles era filho de Tétis (a ninfa marinha, e não a deusa do oceano) e de Peleu, rei dos mirmidões da Tessália. Ao nascer, a mãe o mergulhou no Estige, o rio infernal, para torná-lo invulnerável. Mas a água não lhe chegou ao calcanhar, pelo qual ela o segurava, e que assim se tornou seu ponto fraco - o proverbial "calcanhar de Aquiles".
Segundo uma das lendas, Tétis fez Aquiles ser criado como menina na corte de Licomedes, na ilha de Ciros, para mantê-lo a salvo de uma profecia que o condenava a morrer jovem no campo de batalha.
Ulisses, sabedor de que só com sua ajuda venceria a guerra de Tróia, recorreu a um ardil para identificá-lo entre as moças.
Aquiles, resoluto, marchou com os gregos sobre Tróia. No décimo ano de luta, capturou a jovem Briseida, que lhe foi tomada por Agamenon, chefe supremo dos gregos. Ofendido, Aquiles retirou-se da guerra. Mas persuadiram-no a ceder a seu amigo Pátroclo a armadura que usava.
Pátroclo foi morto por Heitor, filho do rei de Tróia, Príamo.
Sedento de vingança, Aquiles reconciliou-se com Agamenon. De armadura nova, retornou à luta, matou Heitor e arrastou seu cadáver em torno da sepultura de Pátroclo. Pouco depois, Páris, irmão de Heitor, lançou contra Aquiles uma flecha envenenada; dirigida por Apolo, atingiu-lhe o calcanhar e matou-o.
As proezas de Aquiles e muitos temas correlatos foram desenvolvidos na Ilíada, de Homero, que relata a guerra de Tróia. O cadáver deAquiles, segundo a versão mais comum, foi enterrado no Helesponto junto ao de Pátroclo.
Origem
Aquiles era filho de Peleu, rei dos mirmidões na Tessália, e da ninfa Tétis. Zeus e Posídon levaram-na até um oráculo que viu na sua mão que ela teria um filho que seria maior que o próprio pai, e por isso resolveu dá-lo a outra pessoa.
De acordo com a lenda, Tétis tentou tornar Aquiles invencível mergulhando-o no rio Estige. Porém, ao mergulhá-lo, segurou-o pelo tendão de um dos calcanhares (o tendão de Aquiles). Assim, esta parte ficou vulnerável, podendo levá-lo à morte.
Essa versão parece ser recente: não é conhecida de Homero, nem mencionada por Ovídio.
Na versão original, é a armadura de Aquiles que é invulnerável, sendo a parte do calcanhar naturalmente desprotegida. Posteriormente a história se desenvolveu por metonímia, transformado-se o corpo todo do herói em invulnerável, o que faz pouco sentido no contexto da lenda.
Um oráculo disse que, se Aquiles fosse a Tróia, morreria lá. Sua mãe escondeu-o na corte de Licomedes em Scyrus disfarçado de mulher. Lá teve um romance com Deidamia resultando numa criança, Neoptolemo. Foi descoberto pelo rei Odisseu de Ítaca disfarçado de vendedor ambulante de bugigangas e armamentos.
Foi desmascarado por um toque de trombeta quando se viu compelido a não se acovardar e tomar a lança de um atacante. Daí precisou de pouca coisa para decidir ir a Tróia.
A guerra
Aquiles derrota Heitor
Aquiles é uma das duas únicas pessoas na Ilíada descritas como semelhante a um deus, não só pela sua capacidade superior de luta mas pela atitude. Mostrava uma completa e total devoção pela excelência de sua arte e, como um deus, nenhum respeito pela vida. Seu modo de pensar era com relação se a morte fosse rápida desde que gloriosa e não como qualquer morte. Sua cólera era absoluta. A humanização de Aquiles nos episódios da guerra é o tema de Ilíada.
Orientado por Agamemnon, líder dos gregos fora de Tróia, Aquiles se recusa a lutar e a guerra começa a favorecer Tróia. Pátroclo, um amigo, veste a armadura de Aquiles para dar novo ânimo aos gregos, mas é derrotado pelo príncipe Heitor de Tróia.
Enfurecido, Aquiles retorna à luta, mata Heitor e arrasta seu corpo pela cidade.
Imediatamente após a morte de Heitor, Aquiles derrotou Memnon da Etiópia e a amazona Pentesiléia.
Morte
Ajax carrega o corpo de Aquiles nos ombros, protegido por Hermes (à esquerda) e Atena (à direita).
Segundo a versão mais autorizada, Páris, guiado por Apolo, acerta o calcanhar de Aquiles com uma flecha envenenada e o grande guerreiro morre em combate.
De acordo com outra versão, entretanto, o herói morreu com uma punhalada nas costas quando visitava uma princesa troiana, com quem iria se casar, e que conhecera quando Príamo fora reclamar o corpo de Heitor, o que não condiz com o relato homérico. Ambas as versões negam ao matador qualquer valor e mostram que Aquiles não foi derrotado no campo de batalha, mas morto à traição. Seus ossos foram misturados aos de Pátroclo e juntos foram enterrados. Uma luta por causa de sua armadura ocasionou a morte de Ajax.
Na Odisséia, também de Homero, há uma passagem onde Odisseu navega para o mundo inferior e conversa com as almas. Uma delas é Aquiles que, cumprimentado como abençoado na vida e abençoando na morte, responde que preferia ser um escravo do que estar morto. É interpretado como uma rejeição à vida de guerreiro e à indignidade pelo seu martírio desprezado.
O rei Pirro de Épiro reclama ser descendente de Aquiles através de seu filho. Também Alexandre III da Macedónia, tendo por mãe a princesa epirota Olímpia, reclama sua descendência e de muitas formas aspira a ser como seu grande ancestral; diz ter visitado sua tumba quando esteve em Tróia.
Aquiles foi cultuado como um deus do mar em muitas colônias do mar Morto.
CALCANHAR DE AQUILES
No Livro de Ouro da Mitologia, o autor Thomaz Bulfinch diz que "Tétis, filha de Nereu e Dóris, era tão bela que o próprio Júpiter desejou desposá-la; tendo porém sabido pelo titã Prometeu que Tétis teria um filho maior que o pai, Júpiter desistiu da idéia e determinou que Tétis fosse esposa de um mortal. Com a ajuda do centauro Quiron, Peleu conseguiu desposar a deusa e seu filho foi o renomado Aquiles".
Aquiles foi o mais famoso de todos os heróis imortalizados por Homero, poeta grego que viveu supostamente entre os séculos XI e VII antes de Cristo e tornou-se o autor da melhor literatura épica de todos os tempos. Nascido em Pitia, localidade situada no litoral da Tessália, ele foi banhado por sua mãe Tétis na lagoa de Estígia, cujas águas tinham o poder mágico de tornar invulnerável todo aquele que nelas fosse mergulhado.
Por isso Aquiles adquiriu essa faculdade, exceto no calcanhar, por onde sua mãe o havia segurado no momento em que o banhara. Ao tornar-se rapaz, sua educação ficou a cargo do tutor Fênix, com o qual aprendeu eloqüência e arte de guerra, e de Quiron, o mais célebre dos centauros, que o familiarizou com a medicina e o alimentou com medula de leões, para que ganhasse força e ardor másculo.
Pretendendo desmentir o oráculo que vaticinara a morte de seu filho na guerra de Tróia, Tétis o enviou à corte de Licomedes, rei de Ciro, disfarçado em mulher e com o nome de Pirra. Mas os gregos o localizaram e o convenceram a participar das lutas que começavam em virtude de Helena, mulher de Menelau, rei de Esparta, ter sido raptada e levada por Páris para Tróia. No decorrer das inúmeras batalhas que se seguiram, Aquiles demonstrou engenho e grande valentia, e ao saber que seu amigo Pátroclo havia sido morto por Heitor, comandante do exército troiano, partiu em seu encalço, matou-o e em seguida o amarrou a seu carro pelos pés, arrastando por três vezes o corpo do inimigo ao redor das muradas da cidade sitiada.
No décimo ano da guerra de Tróia, Páris, ou Apolo com as feições de Páris, matou Aquiles cravando-lhe uma seta no calcanhar. Segundo outra versão, Aquiles foi morto traiçoeiramente por Páris no momento em que ia se casar.
O mitólogo Alain Quesnel, em A Grécia - Mitos e Lendas, assim descreve a morte de Aquiles: Chefiados por Aquiles, os gregos infligem sangrentas derrotas aos troianos.
Aquiles parece invencível. É como se nem as flechas nem as espadas fossem capazes de atingi-lo. No entanto, o herói tem uma fraqueza secreta, e Apolo a revela a Páris.
Quando Aquiles ainda era bebê, sua mãe mergulhou-o nas águas do Estige, um rio do inferno. Esse banho tornou-o invulnerável em todas as partes do corpo, menos no calcanhar por onde Tétis o segurou. Sabendo desse segredo, Páris estica o arco e, com a mão guiada por Apolo, faz pontaria no calcanhar do herói aqueu.
Atingido por uma flecha envenenada, Aquiles cai e morre. Assim, os gregos perdem sua melhor oportunidade de tomar Tróia.
Da lenda mitológica grega restou a expressão empregada para designar o ponto fraco de alguém, e por isso se afirma que qualquer ser humano, por maior que seja o seu conhecimento ou a sua fortaleza, tem um ponto sensível por onde poderá ser atingido seriamente pelos que estiverem interessados em superá-lo. E isso porque esse é o seu "calcanhar de Aquiles".
Escrevendo sobre o mesmo tema, o padre Gabriel, de Pará de Minas, afirma que “Todos temos nossos pontos vulneráveis e é bom cuidarmos para que eles não nos destruam quando atingidos. O inimigo não é bobo. Ele não mira em lugar errado. Para que Ulisses perderia tempo furando a barriga do gigante Polifemo se ele possuía somente um olho no meio da testa? De nada adiantaria flecharAquiles na testa se apenas um ferimento no calcanhar poderia matá-lo. Por não ter consciência dos pontos fracos, muitas pessoas caem em verdadeiras armadilhas. Assim, irritar o inimigo pode ser uma das formas para atrapalhar o seu discurso.
Enrolar uma pessoa pode ser uma estratégia para que ela peça a demissão por si mesma. O ponto fraco pode ser a porta de entrada para a infelicidade. Por isso, nunca é demais o cuidado para com eles. A propósito, você conhece qual é o seu "calcanhar de Aquiles"?
Aquiles luta contra Memnon
Mêmnon era um gigante negro, filho de Titono e Aurora. Ao saber que Príamo, irmão de seu pai, estava em apuros em sua Tróia sitiada, acorrera com todos os seus exércitos para ajudar a defender a cidade.
- Meu filho Aquiles – dissera sua mãe, Tétis, ao saber da chegada do guerreiro.
- Não lute contre este terrível inimigo, pois se o fizer, haverá de vencê-lo…
- E daí…? - perguntara o herói aqueu.
- Qual mal haverá em vencê-lo?
- Você não me deixou terminar, adorado filho, está determinado pelos deuses que após matar Mêmnon será você o próximo a baixar às sombrias moradas de Hades.
Aquiles então decidiu combater em outra frente, a fim de evitar um confronto que, mesmo lhe sendo favorável, seria o primeiro passo para a sua própria morte. Porém se Aquiles tinha uma mãe previdente para velar por seus atos, o gigante etíope não lhe ficava atrás, pois sua mãe Aurora logo acorreu, também, ao campo de batalha, para lhe dar a alegre notícia.
- Nada tema, meu querido Mêmnon – disse a deusa de róseos dedos.
- Siga ceifando vidas à vontade, eis que o cruel Aquiles, em lhe matando, estará matando a si próprio!.
Mêmnon, com um sorriso que iluminou suas faces negras como o ébano, empunhou com mais vigor e gosto a sua lança banhada do sangue aqueu e retornou à luta, sem temr que a mão poderosa do invencível Aquiles se abatesse sobre ele.
Ora, entre os combatentes aqueus, havia um inexcedível valor: Antíloco, filho de Nestor, rei de Pilos, o mais velho dos gregos. Fora Antíloco quem levara Aquiles a notícia da morte de seu querido amigo Pátroclo, morto pela fúria do troiano Heitor. Desde então, tornara-se o amigo dileto do grande guerreiro.
Antíloco estava à frente das muralhas da sagrada Tróia, junto com seu pai Nestor, quando Mêmnon começou a destroçar os exércitos gregos.
- Cuidado, meu pai! – alartava Antíloco ao pai, por diversas vezes, ao perceber que este se expunha demais à lança inimiga.
O velho Nestor, apesar da idade, estava enfurecido pela maneira com que o gigante negro exterminava os gregos.
- Ainda resta um pouco de força em meus velhos braços para afrontar este cão negro! – bradou o velho Nestor, brandindo a custo a sua espada.
Mêmnon, arreganhando os dentes, investiu, então, contra o velho.
- Grande glória caberá a mim por haver matado Nestor, o homem que já reina sobre a terceira geração de súditos!
Antíloco, vendo que a funesta mão da morte se aprestava a dar cabo da vida de seu pai, lançou-se entre o peito de Nestor e a lança que inevitavelmente o trespassaria.
- Melhor assim! – exclamou Mêmnon.
- Terei a glória de matar, antes do pai, o próprio filho.
E empurrou com toda a força sua lança de cabo comprido no peito de Antíloco, após atravessar o escudo de três couros de boi superpostos e mais uma camada de duro bronze.
Antíloco caiu morto aos pés de Nestor, mas, graças aos seus homens, Nestor de alvas barbas foi salvo da mesma lança assassina que ceifara a vida de seu filho. Enquanto isso Aquiles, combatendo noutro lado, após matar muitos troianos, recebia finalmente a notícia da morte do amigo.
- Mãe Tétis! – bradou Aquiles, desvairado.
- Outra vez as Moiras decidem me submeter à dor! Depois de ter de suportar a perda de Pátroclo fiel, terei agora de suportar, também, a de Antíloco audaz?.
Tétis assustada, correu até o filho, pois pressentia o pior.
- Aquiles, não queira vingar a morte de seu amigo.
- Lembre-se de minha advertência e suspenda o ódio que levanta agora a sua espada!.
Mas Aquiles estava, outra vez, tomado pela ira – e todos havia aprendido, desde a morte de Heitor, o quanto a sua ira, uma vez acesa, era cruel e implacável. Dirigindo seu carro para lá, chegou a tempo de presenciar encarniçada batalha.
- Já vejo, por entre os reluzentes elmos de escuros penachos, um elmo ainda mais alto e brilhante que todos! – gritou Aquiles a Automedonte, seu valoroso condutor.
- Sim Aquiles, de pés ligeiros, é Mêmnon, o cruel carniceiro da nação dos etíopes quem lavra a morte em nossas fileiras – disse Automedonte, com ódio a arder dentro de sua couraça.
Aquiles, desmontando o carro, fora apé com suas armas e seu escudo enfrentar, em combate singular, o terrivel sobrinho de Príamo, nutrido pelos deuses.
- Ah – bradou Mêmnon, erguendo a cabeça de elmo flamejante.
- Eis que o filho de Tétis, criado entre virgens e delicadas moças, deixa finalmente o medo e vem me enfrentar!
Aquiles empunhando a lança, bradou também ao gigante:
- Funesto momento é este que se prepara para você, cão etíope, onde o seu sangue negro haverá de se misturar à sua pele escura!
E arremessou incontinenti a sua lança. Mas pela primeira vez Aquiles errou o seu arremesso – pois tinha pela frente desta vez, um inimigo verdadeiramente à sua altura.
- Agora é a minha vez! – disse Mêmnon, com um grito de triunfo.
Mêmnon arremessou a sua lança: o comprido dardo fendeu os ares, lançando ao ar um assobio assustador, indo atingir a mão direita de Aquiles. O aqueu, entretanto, que só era vulnerável no calcanhar, com a mesma mão sacou sua espada e desferiu um golpe terrível sobre o ombro do gigante negro, que deu um grande grito de dor.
Enquanto os dois guerreiros trocavam seus terríveis golpes, Tétis e Aurora, as mães dos dois, correram, aos prantos até os pés de Zeus, para implorar pela vida de seus respectivos filhos.
- Pai supremo, que nutre os nervos e os ossos dos dois combatentes! – disse Tétis.
- Poupa a vida de meu Aquiles, eis que é o maior dos guerreiros que combatem diante destas malsinadas muralhas!
- Se é por isso,então que vença o meu amado Mêmnon, eis que ousa enfrentar o maior e mais capaz dos guerreiros! – brada Aurora de róseos dedos.
Zeus então, tomando a balança, fez pesar o destino dos dois combatentes, e o peso de Mêmnon baixou mais que o de Aquiles.
- As Moiras decidem que o fio da vida do sobrinho de Príamo deve ser rompido– diz o deus supremo, comunicando o decreto irrevogável.
Nesse instante Aquiles vibrou um golpe com sua poderosa espada, lançando para os céus o gigantesco escudo de Mêmnon – tão grande que por um instante pareceu haver dois discos solares pairados no ar.
Depois, tendo à sua mercê o inimigo, largou fora a espada e, tomando da sua lança de freixo, herança de seu pai, Peleu, avançou para o gigante com destemor na alma. O gigante mesmo assim atrevido, expôs sua couraça aos temíveis golpes de Aquiles dizendo:
- Escolha um lugar, mosquito arrogante, e ainda assim vibrará seu golpe em vão, pois que minha armadura é invulnerável como a sua, produto que é da arte consumada de Hefesto, deus das forjas!
Aquiles aproximou-se e, divisando uma fenda na parte inferior do queixo, desprotegida pelo capacete de negro penacho, empurrou, de baixo para cima, a sua lança de ponta brôncea e aguçada, a qual entrou pela boca adentro de Mêmnon, contando sua língua e indo além até abrir uma cratera em seu capacete, na parte de cima. Pedaços de miolos do gigante negro espirraram par ao alto e ele permaneceu em pé, apoiado à lança.
- Agora cai, gigante, como cai o alto cedro! – disse Aquies, retirando a arma.
O gitantesco Mêmnon caiu do alto, e sua armadura retiniu intensamente sobre o chão cobrindo-se de pó misturado com seu próprio sangue. A deusa dos dedos róseos lançou um grito estridente que atroou os céus: seu filho Mêmnon estava morto, enquanto sua alma, apesar de tudo coberta de glória, uma vez que o fazia pela mão de Aquiles, o maior dos guerreiros, baixava rapidamente ao Hades sombrio.
Mas antes que os gregos se apoderassem do corpo do audaz Mêmnon, Aurora correu até Tétis, mãe do vencedor Aquiles, e clamou:
- Tétis, deusa e mãe como eu, provará em breve a mesma dor que agora provo; por isto peço que afaste seu irado filho do corpo do meu, que jaz ali abatido – ai, em quão miserável estado! – e que permita que o leve para sua terra, para que lá possa receber as lágrimas dos seus e gozar dos ritos fúnebres a que tem direito.
Tétis penalizada, concedeu, e assim, Aurora, de dedos tornados escarlates, tomou nos braços o corpo ensanguentado do filho para levá-lo até as margens do rio Esepo. Ali os seus súditos juntaram seus lamentos aos de toda a natureza, e desde aquele dia Aurora, inconsolável, derrama ao amanhecer as suas lágrimas copiosas conhecidas pelos humanos como orvalho, sobre os campos.
Aquiles luta contra Escamandro
A Guerra de Tróia, travada pelos gregos para recuperar Helena de belos olhos das mãos de seus raptores, ainda ardia em seu furor.
O irado Aquiles já se reconciliara com o chefe da expedição grega, Agamenon, para quem perdera a posse de uma escrava, abastendo-se, em revanche de participar da maior parte da guerra. O herói estava de volta à luta, com todo o furor de sua alma. Como lobo ferido que, estando longo tempo retirado na floresta por não ter condições de perseguir e dilacerar com seus afiados dentes a presa ambicionada, retorna, enfim curado, com redobrada voracidade, assim era Aquiles, semelhante aos deuses, quando, empunhando sua lança e o escudo forjados por Hefesto, colocava outra vez seus pés de sólidas grevas sobre o campo de batalha.
- Eia, gregos de longas cabeleiras! – gritava o heróico filho de Tétis, a deusa dos pés argênteos.
- Assolemos o inimigo até que, recuando às portas Céias, os obriguemos a nos dar entrada na sagrada cidade de Príamo, semelhante aos deuses!
Aquiles de pés velozes, louco de fúria por haver perdido seu fiel amigo Pátroclo, morto às mãos de Heitor de elmo reluzente, matava troianos sem fazer a conta. Seu carro, avançando com fragor, esmagava os corpos e escudos dos inimigos abatidos, de tal forma que o pêlo alvo dos seus cavalos estava agora todo tinto do sangue dos guerreiros mortos.
- Aqui, às margens do Escamandro, misturarei as suas águas cristalinas com o sangue torvo destes cães! – bradava sempre.
De fato, cumpria o guerreiro grego regiamente o que dizia: após encurralar os troianos assustados até as margens do rio que nasce no monte Ida, começou a passá-los na sua comprida lança, assim, como fazem os pescadores quando os peixes em desova, na estação dos calores, abundam, atropelando-se uns aos outros osbre as margens espumosas dos férteis rios.
As águas do torrentoso Escamandro absorviam o sangue que jorrava dos corpos ajuntados em seu leito, quando, de repente, do centro das águas escarlates e revoltas, ergueu-se aos poucos, bem em frente a Aquiles de insaciável lança, a cabeça e o corpo de um velho descabelado. Seu semblante era irado e suas vestes, antes alvas e orladas de franjas espumosas, agora estão tintas do sumo amargo das batalhas.
- Basta Aquiles! – grita o velho e iracundo Escamandro.
- Vá saciar sua sede nas planícies, pois não posso mais beber o produto amardo da sua ira!
- Silencie suas queixas, portentoso rio que desce do elevado Ida! – diz Aquiles de sólidas grevas, afrontando de spada erguida o próprio rio de sagradas águas.
- Minha vontade já decidiu que o curso de suas espumosas águas será interrompido até que os peixes que nelas sobrenadam tenham despido com as bocas toda a gordura que reveste os ossos desses inimigos!
Escamandro, rio irado, mergulha de volta às torvas águas. Dali a instantes um turbilhão furioso começa a sacudir o leito inteiro do rio, e ondas altas como aquelas que o proceloso mar ergue em dias de tempestade começam a sublevar-se também por todo o seu majestoso curso.
Assim como as águas dos rios nas épocas de cheia expulsam de si os corpos de animais mortos, tragados pela correnteza em sua inconsiderada sede, tal é o furor com que o Escamandro de revoltas águas lança para o alto os corpos dos troianos de fundas feridas, fazendo no ar um horrendo concerto de armaduras e escudos que se entrechocam.
- Aquiles, semelhante aos deuses! – Exclama o velho rio, cuja face engelhada e gigantesca surge misturada às revoltas águas.
- Sua sede de sangue ultrapassou todos os limites e agora infringe também os sagrados limites do temor aos deuses. Por isto, farei desabar, agora, sobre você, a força de meus milhares de braços embebidos pela ira!.
Uma tremenda cortina de ondas espumosas envolve, então, o valoroso filho de Tétis, fazendo com que desapareça diante de seus olhos a luz que o carro do sol ainda esparge generosamente por todo o azulado empíreo. Assim como o caminhante descuidado, que se metendo por ravinas pouco conhecidas mete o pé por tudo, de maneira inconsiderada, indo acabar por cair ao profundo fosso, cercado pelas paredes úmidas e impossíveis de serem escaladas, assim Aquiles de grande cabeleira vê-se cercado pela parede sólida das águas do irado Escamandro.
- Rio divino, por que se mete em um assunto que não lhe diz respeito? – brada Aquiles, de espada luzente ao punho.
Mas Escamandro de cenho franzido não se digna mais em responder e faz desabar sobre o herói, filho de Peleu, todo o fragor de suas águas. Aquiles de pés velozes, dando um salto, põe-se então a correr, após furar a cortina d’água com um golpe furibundo de sua cortante espada.
O rio, afrontado ainda mais por este golpe que uma mão mortal ouse lhe desferir, convoca todas as suas águas para que, deixando o leito onde até então descansavam mornamente, se ergam com uma só corrente para esmagar o agressor de longas cabeleiras. Aquiles de pés velozes faz então valer a sua alcunha: virando o escudo para as costas, corre com quantas pernas tenha para longe das ameaçadoras águas.
Uma onda gigantesca, com o formato de um poderoso braço, ameaça abater-se sobre o escudo que Aquiles de sólidas grevas traz preso às costas.
- Por mais que corra, bravo Aquiles, não poderá fugir ao meu fero braço, que só busca vingar a torva ofensa que fez aos deuses! – ruge o proceloso e irado rio.
- Mesmo que seus pés ligeiros tentem levar-lhe adiante, com este imenso escudo preso às costas você parecerá sempre, diante de minha rapidez, como o lerdo animal de que a ira de Hera soberana se serviu para castigar Quelone, a preguiçosa ninfa!
Assim como braço do gigante aborrecido serve para espantar a pequena e frágil mosca que teima em lhe perturbar o sono, assim o braço líquido do Escamandro, de forte corrente, abate-se sobre o audaz guerreiro.
Aquiles de longas cabeleiras é lançado longe, mas ainda tem vigor bastante nos pulsos para agarrar-se ao robusto galho do olmo alto e frondoso que está à sua frente. Mas nem as sólidas raízes da portentosa árvore, metidas nas profundezas da terra dura, são fortes o bastante para parar o curso impetuoso das águas do encolerizado rio, que leva adiante a árvore, as raízes e o guerreiro valoroso, que em um de seus galhos segue preso, a mal de sua sina.
Então, estirando os braços de sólida musculatura, Aquiles, filho de Peleu, lança-se com um grito de guerra ao peito portentoso do Escamandro irado, bracejando em suas águas temperadas pelo sangue dos troianos de sólidas armaduras. Após travar rude combate, num corpo a corpo viril com o próprio rio, alcança com seus pés cansados a planície, que agora serve de margem às águas expandidas do revoltoso escamandro.
- É debalde, Aquiles semelhante aos deuses, que procura a planície ou outra elevação qualquer para escapar à minha ira – diz o rio, insaciável de furor, pois onde as pegadas fundas de seus velozes, porém já cansados pés, pisarem, em seguida as farei apagar como curso furibundo de minhas niveladoras águas. Neste momento, Aquiles, apoiando-se a um rochedo, ergue os olhos até a morada de Zeus celestial e clama, assim, em sua voz:
- Pai dos deuses, por que permite que a fúria de um deus menor se sobreponha ao seu poder infinitamente maior? Por que consente que o filho da sua querida Tétis, esposa de meu pai Peleu, passe pela vergonha de ter de morrer afogado como um reles pastor, que tomando pé errado afunda sobre as águas de um córrego raso e acaba por entregar ao Hades sombrio, de maneira esquecida e vexatória, a sua alma reles? Quer dar, então, este mesmo lastimoso fim ao rompedor das muralhas de escudos troianos de sangue audaz erguem todo dia à sua frente, e que os rompe com o poder de sua incansável lança?
Enquanto diz tal, os joelhos de Aquiles avançam a custo sobre a água, que já lhe sobe pelas fortes grevas. Os corpos e armaduras dos troianos mortas batem a todo instante em seus desprotegidos flancos, magoando-os. E assim como os astros brilhantes rodopiam sobre o éter, despedindo sua fulva luz, assim os escudos dos vencidos, brilhando e rodopiando ao sabor das ondas, parecem pequenos sóis a girar seus curso errante sobre a planície inundada.
Quando Aquiles já está prestes a ser engolido em definitivo pela imensa boca do Escamandro, cujos dentes são os vorazes peixes que degustam a carne apodrecida dos guerreiros mortos, eis que Hera, esposa de Zeus, surge ao lado do pai dos deuses.
- Basta, meu tresloucado esposo! – grita a deusa de olhos brilhantes.
E dando-lhe as costas vai buscar seu filho coxo, Hefesto, artificioso deus.
- Vai, filho e artífice soberano! – diz Hera, de altivo ar.
- Liberta, desde já sobre o tormentoso rio, o fogo inteiro de suas forjas, até que Escamandro, engolfado pela ira, veja-se obrigado a refluir as águas aos seus antigos e prescritos limites.
Hefesto, do portentoso fogo, sobe então de suas escuras furnas e empunhando seus foles vigorosos faz surgir rios de fogo e pez, que lança incontinenti sobre as águas do revoltoso Escamandro. As águas do rio, iradas, erguem-se como colunas prateadas e avançam para fazer frente às labaredas que avançam, também, em ordenada fila.
- Escamandro, deus decrépito, pretende fazer frente, então, ao fogo insaciável de meus foles? – brada Hefesto, sacando de sua portentosa aljava os raios que os ciclopes forjaram a noite inteira, em suas escuras e fuliginosas furnas.
O choque dos dois exércitos, do fogo que escalda e da água que enregela, abala o céu e a terra. E assim como aves, postadas em alegre cantoria durante o dia inteiro, suspendem suas vozes, voltando suas cabeças para o horizonte de onde rola o trovão furibundo que prenuncia a faiscante tempestade, assim, detro e fora das muralhas da cidadela disputada cessam os gritos de ira e de dor, para que aques e troianos unam seus olhares atemorizados para o terrível fragor de armas que se fer quase ao lado.
O fogo tremendo de Hefesto artificioso calcina toda a planície, depois de haver secado as águas invasoras que a afogavam, queimando e consumindo as carnes, os ossos e mesmo as armaduras e escudos que ali jaziam abandonados.
As águas do impetuoso Escamandro agora chiam, lançando para os céus uma gigantesca nuvem de vapor, enquanto os peixes, que nele fazem sua morada, sobem mortos aos milhares, cozidos a ponto de romperem-se suas peles, flutuando sobre a linha d’água com oum manto ondulante e cintilante de escamas.
A figura do velho Escamandro rompe, finalmente, a superfície das suas próprias águas, sem poder mais nelas se ocultar. E assim com o mergulhador, que após percorrer as profundezas do rio consumiu gota a gota o último alento dos pulmões, tal é o estado que o Escamandro apresenta quando póe para fora da água a sua cabeça de longas, úmidas e prateadas cãs.
- Hefesto, artífice supremo! – clama Escamandro, de faces afogueadas que refulgem como o pomo avermelhado das macieiras, quando o sol nelas incidiu o dia inteiro.
- Cessa a ira de suas forjas, eis que minhas águas não são fortes o bastante para deter o fragor insaciável das línguas de fogo que você expele com tanto ímpeto!
Escamandro, como quem ferve e referve dentro de um caldeirão, abrasado de maneira incessante pelo basto lenho incendiado que arde em sua base, sente que suas forças o abandonaram, e antes que cesse toda a vida de suas águas pde trégua ao inimigo, que não cessa nunca de cuspir mais e mais o produto ígneo de suas forjas.
Hefesto, filho amado – diz finalmente Hera, a deusa de olhos brilhantes.
- Que as palavras de clemência de um velho e vencido rio bastem para acalmar a sua ira.
O deus Artífice, no entanto, ainda esparge por todo o leito do rio o conteúdo flamejante de seus foles. Hefesto brande os seus pesados foles até que nem mais uma única faísca reste dentro deles.
Enquanto isso, na planície, Aquiles empunha novamente a sua lança e com um berro descomunal já arremete outra vez contra os troianos, os quais,diante do avanço inexorável do mais terrível dos aqueus, se precipitam e atropelam, com todo o vigor de seus pés e joelhos, em direção às muralhas seguras de Tróia, mãe-pátria protetora.
Aquiles
Aquiles era filho de Peleu e da ninfa Tétis.
Ainda bebê, o pequeno herói fora levado pela mãe, ao rio Estige, onde a filha de Nereu pretendia mergulhá-lo em suas águas miraculosas, pois dizia-se que elas tinham o poder de tornar invulnerável todo aquele que nelas se banhasse.
Estige, vale dizer, era uma poderosa ninfa que ajudara Zeus na guerra contra os Titãs, a primeira guerra que o Universo conheceu. Por isto, fora recompensada com uma fonte da Arcádia, de águas sombrias e de longo curso que entravam terra adentro, desaguando nos submundos infernais.
- Estige, rio de águas mágicas e misteriosas!, dissera Tétis, enquanto mantinha o filho pendurado pelo pé sobre aquelas revoltosas águas.
- Invoco agora o seu poder sagrado para que torne meu pequeno Aquiles forte e invulnerável durante todos os dias de sua vida!
Tétis, a ninfa dos pés de prata, relutara muito antes de tomar esta atitude, mesmo naquele momento, enquanto segurava o pé de seu filho com toda a força e escutava o ruído intenso da correnteza naquele cenário escuro e desolado, tinha dúvidas sobre se estava fazendo a coisa certa.
Mas, desde o parto, a ninfa fora tomada por um sombrio pressentimento: o de que seu filho teria uma vida demasiado curta.
- É meu dever fazer de tudo para protegê-lo, disse ela, afinal, como que a justificar-se perante o rio que turbilhonava à sua frente.
O calcanhar, contudo, por um descuido da ninfa, permaneceu seco, e um dia tanto ela quanto seu filho descobririam o preço de tão grave descuido.
Tão logo o pequeno Aquiles sofreu este batismo, foi entregue aos cuidados do centauro Quiron, que fora o preceptor de muitos outros heróis, tais como Hércules, Jasão e até o deus Apolo, e passou a ser alimentado com uma dieta rica em miolos de feras: de leão, para adquirir coragem, de urso, para ganhar força, e de gazela, para tornar-se veloz.
Quando o jovem Aquiles compeltou nove anos, sendo, a essa altura, quase um homem, tanto no porte quanto na virilidade, sua mãe, Tétis, decidiu levá-lo para uma consulta com o adivinho Calcas.
- Preciso saber o que o destino reserva para ele, disse a mãe ao adivinho, pois ainda permanecia inquieta com o futuro do seu filho.
O sábio Calcas, após consultar seus argúrios, declarou, finalmente:
- Tróia poderosa jamais será conquistada sem o valor do seu braço.
Mas, completara a previsão com outra, agora funesta:
- Seus pés, contudo, jamais pisarão o chão da cidade sagrada, eis que antes disso baixará à casa de Hades.
Desde aquele instante então, Tétis concebeu um plano:
- Se o destino de Aquiles está em perecer diante das muralhas de Tróia, pensou a ninfa.
- Então a sua salvação estará em jamais participar de tal campanha.
Aquiles está agora com dezessete anos de Idade.
O jovem já retornou à casa de seu pai, Peleu, e graças à sua precoce vocação para as armas é comandante do poderoso exército dos mirmidões, povo de bravos guerreiros oriundos da Tessália.
Há um grande burburinho e alvoroço em toda a corte.
As notícias desencontradas fervem por todos os recantos, indo desaguar no seu escoadouro natural: o palácio real, onde reinam os soberanos Peleu e Tétis.
- A notícia parece ser mesmo verdadeira, diz Peleu à sua apreensiva esposa.
- O troiano Páris, infringindo todas as regras da hospitalidade aquéia, raptou Helena, esposa de Menelau, em sua própria pátria!.
O jovem Aquiles, um pouco afastado, mantém seus ouvidos atentos.
As últimas notícias, dão conta de que todo o reino de Argos já está em pé de guerra, e que as tropas comandadas por Agamenon, irmão do ultrajado Menelau, estão prestes a partir para Áulis, onde os côncavos navios já as aguardam.
Tétis, desorientada, põe-se em pé.
- Mas por que tanto alvoroço em nosso reino?, exclama a rainha.
- Que parte devemos tomar nisto tudo, afinal?
- Já lhe expliquei mil vezes, Tétis, que há um pacto entre os diversos povos Aqueus, replica Peleu, adivinhando a apreensão da esposa.
- Desde que Helena dos belos olhos fora indicada para ser esposa de Menelau, todos os demais pretendentes ficaram obrigados a defender a sua honra, em qualquer circunstância.
- Então, sem dúvida, chegou esta circunstância!, bradou Aquiles, como quem está pronto para embarcar.
- Calado menino!, gritou Tétis, que ainda não conseguia enxergar no jovem um homem pronto para as batalhas e para a própria morte.
Peleu fez um sinal ao filho para que se calasse, enquanto Tétis, com os olhos rasos de água, correu para os seus aposentos.
- Zeus poderoso!, clamou ela, de mãos postas, ao chegar lá.
- Faça com que meu querido Aquiles desista de participar desta funesta guerra.
Mas a ninfa confiava ainda mais em sua argumentação; por isto mandou chamar, imediatamente, o filho ao seu quarto.
- Aquiles, é preciso que você saiba que há algo muito terrível ligado a esta guerra, disse Tétis, violentando-se para revelar algo que ocultara do filho a vida inteira.
- Não estou entendendo, responde o jovem.
- Aquiles, se você for para Tróia, morrerá muito, muito cedo!
O jovem ficou pasmo, e seus lábios tremeram levemente quando falou:
- Quem lhe disse essa bobagem?
- Calcas,o adivinho, respondeu Tétis, com firmeza.
- Você era muito pequeno e não podia entender. Mas agora chegou a hora de saber e de fugir ao seu destino.
Aquiles ficou abalado, pois sabia que os oráculos de Calcas eram infalíveis, e, apesar de valente e destemido, não tinha vontade alguma de morrer tão cedo.
- E o que a minha mãe sugere que eu faça para escapar de tão negro destino?
- Vou levá-lo, já, para a ilha de Ciros, disse Tétis, como quem já soubesse, há muito, o que fazer.
- Já preveni, anteriormente, o rei Licomedes, de que você irá se esconder em sua corte por algum tempo, até que esta guerra funesta se acabe.
Aquiles sentiu triunfar em si a vontade da vida, que era ainda mais forte do que o desejo de guerrear.
Afinal, jovem como era, ainda teria muito tempo para provar o amargo, ainda que vibrante, sabor das batalhas.
Na noite seguinte, Tétis levou o filho até o ancoradouro.
Aquiles, no último grau do enrubescimento, ia vestido de… mulher!
Sim, só havia um jeito de impedir que ele acabasse reconhecido em uma corte imensa como a de Ciros: introduzindo-o no harém do próprio rei.
- Mãe, isto é uma humilhação, uma infâmia, disse o jovem, momentos antes de embarcar.
- Ninguém jamais saberá de nada, eu prometo!, respondeu a mãe, ajeitando o laço que prendia o delicado peplo ao ombro do rapaz.
- Ali você viverá cercado pelas mais belas mulheres de toda a Grécia. Que mais pode querer a sua virilidade? Mas atenção: não permita jamais que o desejo por uma delas o faça revelar a sua real identidade, pois então estará perdido e o seu destino acabará sendo aquele que o velho Calcas vaticinou, o de perecer diante das muralhas da pérfida Tróia.
Aquiles, em seus trajes de mulher, partiu naquela mesma noite para Ciros e, depois de vários dias de viagem, chegou, finalmente, à corte do rei Licomedes.
- Pirra, o que você tem, que parece tão aborrecida?
Deidâmia, filha de Licomedes, rei de Ciros, entrara nos aposentos onde estavam instaladas as mulheres e concubinas do seu poderoso pai.
Aquiles estava deitado sobre um pequeno leito; suas vestes, um pouco arrepanhadas, deixavam entrever um pedaço de sua perna direita, lisa e suavemente torneada.
Os longos cabelos cor de fogo, que ele usava antes de ali chegar, haviam crescido ainda mais. Sua pele, após longos anos sendo tratada pelas essências mais suaves e balsamizantes, adquirira um tom claro e uma textura que fazia lembrar a do mais tenro pêssego da Arábia. Seus lábios, um pouco abertos, estavam mais rubros que o normal.
- Pirra, você está dormindo?, insistiu a bela Deidâmia, preocupada com sua melhor amiga, a bela Pirra dos rubros cabelos.
A filha do rei, como de resto ninguém, além do próprio Licomedes, não sabia ainda que a jovem Pirra, na verdade, era o jovem Aquiles, filho do valoroso Peleu.
Mas por um instinto mais forte que tudo, Deidâmia sentia que a cada dia uma ligação cada vez mais forte a reunia àquela bela e estranha moça.
A princesa acariciou os cabelos rubros de Pirra.
Aquiles-Pirra, voltando o rosto em outra direção, preferia não encarar a companheira.
Também ele, a cada dia que passava, sentia-se mais e mais atraído pela suavíssima Deidâmia.
- Você está brava comigo?, perguntou a filha do rei.
Pirra levantou-se e foi procurar refúgio em outro canto da peça, numa cadeira comprida de espaldar.
Deidâmia, aflita, correu atrás da amiga.
- Pirra, não fuja de mim sua tola!, disse a jovem, enchendo a boca e o rosto da companheira com seus beijos.
Pirra colocou sua mão entre os lábios de Deidâmia e os seus próprios.
- Deidâmia, devemos evitar certos… certos contatos, disse Pirra.
- O que foi, por quê…?, disse Deidâmia, fazendo-se rubra como os cabelos da amiga.
- Minhas carícias a aborrecem?
- Bem, não é isto, disse Pirra, tentando não ofendê-la.
- Meu hálito esta ruim?, disse Deidâmia, brincando e assoprando no rosto da amiga o puro ar que saía de sua boca, perfumado pelas mais delicadas folhas aromáticas.
Mas a própria Deidâmia, apesar de tentar levar a coisa na brincadeira, sentia também que a afeição que ligava as duas amigas há muito transcedera o nível da simples amizada.
De repente fez-se séria e resolveu, também, dar vazão às suas dúvidas.
- Pirra… Pirra… O que está acontencendo conosco, minha querida?, perguntou Deidâmia, de olhos assustados.
Era uma situação absolutamente nova e imprevisível aquela que aos poucos ia tomando corpo diante de si.
- Já tinha ouvido falar de coisas, assim, sabe… as histórias que contam sobre a ilha de Lesbos… e das coisas que se passam lá…
- Do que você está falando?, perguntou Pirra, voltando a cabeça.
- Sim, falo de afeições estranhas… entre amigas… você me entende?
Aquiles novamente, sentiu um ímpeto de tomar a bela Deidâmia em seus braços e esclarecer logo aquela torturante dúvida.
- Não, não há nada estranho, tentou consertar Pirra, a falsa donzela.
- Há sim, há sim, disse Deidâmia, cobrindo o rosto com as mãos.
- Não podemos mais fingir, Pirra querida… Oh, Afrodite suprema, como meu pai iria encarar este absurdo? Mas eu não posso mais esconder o que sinto, não posso!
Deidâmia havia tomado a cabeça da amiga e acariciava o seu rosto, sem saber que percorria com seus suaves dedos os traços do rosto de Aquiles.
O jovem, então, não podendo mais suportar um desejo que reprimia há anos, tomou Deidâmia em seus braços e começou a beijá-la fervorosamente, no rosto, nos lábios, nos braços e no alvo colo.
- Pirra… Não, não Pirra!, dizia Deidâmia, tentando esquivar-se da boca insaciável da amiga, sentindo ao mesmo tempo uma ternura e um desejo imensos de retribuir aquelas carícias proibidas.
Pirra começou a despir as vestes de Deidâmia, enquanto esta, assustada, sentia pela primeira vez a força insuspeitada dos braços do futuro guerreiro.
Ao mesmo tempo, a filha do rei, não podendo mais resistir às carícias irrefreáveis da amiga, entregara-se àquele decreto das Parcas, ao mesmo tempo sinistro e delicioso.
Suas mãos rasgaram, também, as vestes de Pirra dos rubros cabelos, mas ao perceber que a amiga nada tinha sobre o peito liso, estranhou.
- Sempre me pareceu…oh!… que minha adorada Pirra… tivesse pouca abundância de seios…, pensava ela, de maneira entrecortada, entre os ardores que Eros lhe inspirava.
- Mas o que vejo agora… é que nada tem… como pode ser isto…?
Aquiles, entretando, retomando seus gestos masculinos, que sempre haviam guardados dentro de si, proseguia, com fúria, no resgate de sua virilidade há tanto tempo afrontada.
Assim estiveram, nus e se amando, até que Deidâmia teve a prova definitiva que desfez todas as suas culpas e tormentos.
- Pirra, querida… oh, você é um homem!
Aquiles ergueu-se, sorrindo, e ficou parado diante dela: seu orgulho viril estava, outra vez, estampado em seu rosto.
Ulisses e Diomedes chegaram à corte de Licomedes numa manhã clara e ensolarada.
Exautos da viagem, ainda assim acorreram logo aos salões do rei de Ciros.
Ali, em entrevista franca com o soberano, instaram com ele para que lhes revelasse o paradeiro de Aquiles, mas Licomedes, temeroso de faltar com a palavra dada a Tétis, e mais ainda da reação do jovem filho desta, preferiu ocultar o que sabia.
Diomedes, tomando-se de cólera, tentou obrigar o rei a dizer a verdade, e já ia sacando sua espada quando Ulisses travou o seu braço.
Calma, Diomedes!, disse o astuto filho de Sísifo.
- Daremos um jeito de descobrir onde Aquiles se esconde; ao menos isto a hospitaleira generosidade de Licomedes não haverá de nos nega, não é?
O rei não teve outro jeito senão permitir que ficassem em seu reino e procurassem o jovem o quanto quisessem.
Não sabendo do segredo maior, jamais iriam achá-lo, pensava ele:
- Aquiles, em tudo, é uma perfeita mulher… Não lhe tem faltado, na verdade, nem alguns pretendentes…, pensou, com um sorriso divertido.
Aquiles, na verdade, já era pai de um garoto chamado Neoptolemo, filho de seus amores com a filha de Licomedes.
Deidâmia fora afastada do convívio do amante após a descoberta de seu relacionamento e desde então vivia retirada com o filho numa casa afastada, no campo.
Ulisses e Diomedes andaram por tudo na grande cidade de Licomedes.
Entretanto, por mais que pesquisassem e indagassem, andando pelos locais frequentados pelos homens, não acharam nem sinal do jovem Aquiles.
- Estará no campo? – disse Diomedes, imaginando o quanto teriam de andar para descobrir o esconderijo do filho de Peleu. Mas o astuto Ulisses não respondeu à sugestão do companheiro; após observar um grupo de mulheres indo em direção ao palácio, seus olhos se iluminaram.
- Voltemos imediatamento ao palácio – disse, ele dando as costas ao surpreso Diomedes. Ao chegar ao palário real. Ulisses reuniu-se com alguns de seus homens e mais tarde comunicou ao rei que tinha alguns presents para dar às mulheres da casa.
- Pirra vamos, disse uma das suas amigas, quase histérica.
- Os belos estrangeiros vão distribuir presentes para nós todas. Aquiles, que ainda permanecia com suas vestes femininas, acorreu junto com as amigas para ver o que estava acontecendo. Ao chegar ao grande salão, descobriu ao centro um grande tapete estendido repleto de roupas e jóias.
As jovens lançavam-se sobre os presentes como as pombas sobre o milho em um dia ensolarado. Gritos de alegria se misturavam a gritos de rancor, produto das amargas disputas pelas melhores peças.
- Vamos Pirra, escolha logo algo para você! – disse-lhe a amiga, impaciente.
Mas o jovem Aquiles não podia mais fingir interesse por nada daquilo que se esparramava à sua frente: vestidos, braceletes, brincos, colares – tudo isto lhe provocava uma repulsa cada vez maior desde que exercitara pela primera vez a sua virilidade com a bela Deidâmia.
De repente, porém, Aquiles teve a sua atenção despertada por um brilho verdadeiro que viu faiscar em meio às dobras do grande tapete. Uma magnífica espada prateada dentro da sua bainha, lavrada com finos engastes, surgira em meio aos trapos e quinquilharias! Ao seu lado estava um belo escudo dourado, de cinco espessas camadas – as três primeiras de couro de boi, sobrepostas por uma de bronze e por cima de todas uma última, reforçada, de ouro – com sua correia de prata presa no interior.
Aquiles, fascinado, viu surgir aos poucos o grande escudo, como um maravilhoso e redondo disco solar, enquanto as tolas moças retiravam rapidamente de cima dele os odiosos trapos e bijuterias. Como se isto não bastasse, ainda podia-se perceber magnificamente gravada sobre a faiscante face do escudo a cena de uma grande batalha: Zeus, montado em seu carro, abatendo os gigantes de longas caudas serpenteantes.
Mas isto não era tudo: além do escudo e da espada, ainda havia uma couraça azul-ferrete – que, sob a ação da luz, ora tomava um aspecto completamente negro, ora se anilava num azul escuro intensamente luminoso – e um elmo prateado de estonteante beleza, que se ajustava perfeitamente às têmporas com duas douradas saliências laterais, encimado pelo penacho mais negro e mais sedoso já visto por um olho humano.
Aquiles teria ficado o dia inteiro ali, paralisado diante das armas nuas, se Ulisses – o homem das mil astúcias – não tivesse engenhado um último estratagema. Pois dali a pouco alguns homens seus do lado de fora do palácio começarama bater espadas e escudos e a dar grandes brados de guerra:
- Às armas, valorosos guerreiros! – diziam as vozes, altaneiras.
- Às armas, que o palácio inteiro está sob o ataque de cruéis invasores!
Aquiles, como quem desperta de um sonho, avançou para as armas e, após envergar a couraça e tomar a espada, correu em direção à porta do palácio.
- É ele, Ulisses, veja! – bradou Diomedes, tomando o braço do amigo. Ulisses, contudo permanecia parado, com um sorriso tão satisfeito que nem mesmo suas barbas hirsutas podiam ocultá-lo. Aquiles, aliviado, embarcou no mesmo dia para Argos. Ia ao encontro do destino irrevogável que as Moiras sinistras desde sempre lhe haviam prescrito.
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